quinta-feira, 31 de maio de 2012

LEGIÃO URBANA - Tempo Perdido

TICO SANTA CRUZ - Tributo à 'Legião Urbana'

Sobre a apresentação de Wagner Moura em
Tributo à Legião Urbana


Assisti a partes do Tributo ao Legião Urbana.
Não pediram minha opinião, mas darei mesmo assim:

O que vi foi a celebração de uma banda que é atemporal, que transcende modismos, tendências e intolerâncias. Músicas que podem ser e são cantadas por qualquer pessoa que goste de boas canções . Muito diferente do Uga Uga que prospera há tempos pelo Brasil.

Legião Urbana é sinônimo de resistência, de ...poesia, de literatura, de conhecimento. Questões que parecem não interessar muito na Era da pulverização de chamados Sensacionalistas e pobres de vocabulário.

Renato Russo escreveu provavelmente a versão de boa parte dos conflitos, incertezas e questionamentos de uma geração. E isso não sucumbiu as mudanças do comportamento mais de vinte anos depois.

Tecnicamente falando Wagner Moura desafinou algumas vezes, mas quem não desafina? Muitas pessoas Celebradas atualmente não desafinam só nos palcos, mas desafinam na vida. Wagner é um ator ímpar, um profissional comprometido, um ARTISTA que tem voz política e social. Um cara de coragem que assumiu a responsabilidade de cantar hinos que marcaram a vida de muitas pessoas.

Responsabilidade que tem um preço e consequências, mas que exige acima de tudo coragem, e todos os que saem de seu campo de conforto e partem para expressões que exigem coragem tem minha admiração, acertando ou errando.

Foi deixado CLARO o tempo inteiro que não era a VOLTA do Legião Urbana com outro vocalista e sim uma homenagem, não a Renato Russo mas a TODOS os integrantes do grupo. Dado e Bonfá continuam firmes e fortes e são remanescentes do tempo em que o ROCK ainda era ROCK e não esse salão de beleza que se tornou as custas de uma outra LEGIÃO, a legião dos lobotomizados.

Poucos cantores no Brasil tem capacidade vocal para chegar ao nível do Renato Russo, portanto é bobagem julgar por essa visão. A meu ver o único que poderia fazer esse alcance vocal com competência seria Toni Platão. Mas este é outro assunto. O Tributo ao Legião Urbana é também um produto feito para TV e por isso precisa de polêmicas para se espalhar.

O público cantou. Como eu já cantei, como você que gosta dessa banda já cantou no banheiro, no carro, no Karaokê ou em qualquer lugar. Porque a MÚSICA é maior que tudo isso e é pela MÚSICA que aquelas pessoas se reuniram para celebrar.

Wagner se arriscou, assumiu como fã o lugar no palco que era do seu ídolo. Mas não se colocou como se fosse o seu ídolo, fez do seu jeito o que acreditou e cantando bem ou mal o fez com verdade. Verdade é outra coisa em falta nos comandos artísticos atuais. Tudo muito produzido e combinado para render notinhas nos sites de fofoca ou Trending Topics do Twitter.

O que me deixou estarrecido foi a falta de respeito das pessoas com os artistas.
Como se fosse uma vingança cega pelos anos em que artistas eram blindados em seus mundos irreais.

As Redes Sociais foram tomadas de Canibais Pelados de Miami sedentos por desfigurar a imagem daquelas pessoas sem dó nem piedade, alguns só pelo prazer.

Uma Coisa é fazer uma crítica. Gostei por essas razões, não gostei por estas outras razões. Outra completamente diferente é ofender, humilhar e espezinhar com aqueles que estavam ali.

Os Canibais Pelados do Twitter e do FaceBook estavam cuspindo carne para todos os lados enquanto eram aplaudidos, curtidos e repassados adiante.

Uma prática que vem se tornando recorrente não só contra artistas, mas entre as pessoas em geral. A prática do desrespeito gratuito.

Na posição de "tuiteiro" qualquer um pode falar sobre qualquer coisa mesmo quando não tem talento nem para sair de casa!

As Redes Sociais deram voz a muita gente que antes tinha medo e vergonha de falar em público, mas alguns provaram que estavam certos!

Temos que estar atentos ao comportamento que está sendo estimulado e como isso vem se refletindo entre os jovens. Não significa controlar, nem calar, nem censurar, nem tirar a voz dessas pessoas, apenas estar atento para não ser contaminado sem perceber pelo mesmo sentimento e reproduzi-lo em troca de alguns RTs ou Curtições.

Concluo então com um questionamento do Próprio Renato Russo que certa vez cantou: “Me diz porque que o céu é azul, explica a GRANDE FÚRIA DO MUNDO...”

Tico Sta Cruz


Tributo foi embalado com canções que comemoraram os 30 anos de criação de banda, desfeita em 1996 com a morte de Russo.

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terça-feira, 29 de maio de 2012

CORA CORALINA - trecho de entrevista (Viver bem)


Um repórter perguntou à Cora Coralina o que é viver bem.
Ela lhe disse:

"Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo pra você, não pense. Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velha. Eu não digo. Eu não digo que estou velha, e não digo que estou ouvindo pouco.

É claro que quando preciso de ajuda, eu digo que preciso. Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. O melhor roteiro é ler e praticar o que lê.

O bom é produzir sempre e não dormir de dia. Também não diga pra você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais. Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima. Eu não digo nunca que estou cansada.

Nada de palavra negativa. Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica. Você vai se convencendo daquilo e convence os outros. Então silêncio!

Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado, e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha, não. Você acha que eu sou?

Posso dizer que eu sou a terra e nada mais quero ser. Filha dessa abençoada terra de Goiás. Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos.

Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo. Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.

O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade. Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso, com esperança.

Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir."

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REVANCHE NO MANCHE...(Post 'Em pleno 2012', 24/5/12)


Nesta segunda-feira, mais uma mulher ganhou os céus a partir da Base Aérea de Canoas (RS).

A 1° tenente-aviador Adriana Gonçalves, 27, entrou no Boeing 707 (KC-137) da Força Aérea Brasileira para a sua segunda aula prática.

Até o final do ano, ela deve ser a primeira mulher da FAB a comandar a maior aeronave da corporação.

Na última terça (22), a tenente Joyce Conceição, 28, foi a primeira mulher piloto militar, no Brasil, apta a comandar uma aeronave C-130.

Hércules Fernando Gomes/Agência RBS/Agência Estado

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domingo, 27 de maio de 2012

sábado, 26 de maio de 2012

NOTINHA


Com o intuito de facilitar nossa busca em reler, sempre que quisermos, seus belos poemas, estou enviando os textos de Olinda para o marcador específico - Olinda Ribeiro poetisa portuguesa contemporânea. 

(Ver Marcadores, à direita da página)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

MILLÔR FERNANDES - De Deus para Eva

Discurso de Deus a Eva
Millôr Fernandes

"...Eva, de repente, descobrindo uma bela cascata, resolveu tomar um banho de rio. A criação inteira veio então espiar aquela coisa linda que ninguém conhecia.
E quando Eva saiu do banho, toda molhada, naquele mundo inaugural, naquela manhã primeval, estava realmente tão maravilhosa que os anjos,... arcanjos e querubins, ao verem a primeira mulher nua sobre a Terra, não se contiveram, começaram a bater palmas e a gritar, entusiasmados: "O AUTOR! O AUTOR! O AUTOR!".

"P.S. - Este discurso do Todo-Poderoso está sendo divulgado pela primeira vez em todos os tempos, aqui neste livro. Nunca foi publicado antes, nem mesmo pelo seu órgão oficial, A BÍBLIA."


"Minha cara,
Eu te criei porque o mundo estava meio vazio, e o homem, solitário.
O Paraíso era perfeito e, portanto, sem futuro.
As árvores, ninguém para criticá-las; os jardins, ninguém para modificá-los; as cobras, ninguém para ouvi-las.
Foi por isso que eu te fiz.
Ele nem percebeu e custará séculos para percebê-lo. É lento, o homenzinho.
Mas, hás de compreender, foi a primeira criatura humana que fiz em toda a minha vida. Tive que usar argila, material precário, embora maleável.

Já em ti usei a cartilagem de Adão, matéria mais difícil de trabalhar, mais teimosa, porém mais nobre.
Caprichei em tuas cordas vocais, poderás falar mais, e mais suavemente.
Teu corpo é mais bem acabado, mais liso, mais redondo, mais móvel, e nele coloquei alguns detalhes que, penso, vão fazer muito sucesso pelos tempos a fora.

Olha Adão enquanto dorme; é teu. Ele pensará que és dele. Tu o dominarás sempre. Como escrava, como mãe, como mulher, concubina, vizinha, mulher do vizinho.

Os deuses, meus descendentes; os profetas, meus public relations; os legisladores, meus advogados; proibir-te-ão como luxúria, como adultério, como crime, e até como atentado ao pudor! Mas eles próprios não resistirão e chorarão como santos depois de pecarem contigo; como hereges, depois de, nos teus braços, negarem as próprias crenças; como traidores, depois de modificarem a Lei para servir-te. E tu, só de meneios, viverás.

Nasces sábia, na certeza de todos os teus recursos, enquanto o Homem, rude e primário, terá que se esforçar a vida inteira para adquirir um pouco de bens que depositará humildemente no teu leito. Vai!

Quando perguntei a ele se queria uma Mulher, e lhe expliquei que era um prazer acima de todos os outros, ele perguntou se era um banho de rio ainda melhor. Eu ri. O homem é um simplório. Ou um cínico. Ainda não o entendi bem, eu que o fiz, imagina agora os seus semelhantes.

Olha, ele acorda. Vai. Dá-me um beijo e vai. Hmmmm, eu não pensava que fosse tão bom. Hmmmm, ótimo! Vai, vai! Não é a mim que você deve tentar, menina!

Vai, ele acorda. Vem vindo para cá. Olha a cara de espanto que faz. Sorri!

Ah, eu vou me divertir muito nestes próximos séculos!"

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'EM PLENO 2012' - (!)

Folha.com em 23 de maio de 2012
Marcelo Soares


“Um passageiro da Trip Linhas Aéreas foi expulso do voo na sexta-feira depois de se recusar a viajar num avião que tivesse uma mulher como piloto.

Nos comentários da notícia publicada ontem pela Folha.com, muitos leitores fizeram comentários machistas como “nunca vi fogão com asas” e outros do gênero.

Em pleno 2012, não devia ser novidade uma mulher no manche em qualquer país onde mulher não seja obrigada a andar de burca.

Há registros de mulheres pilotando coisas que voam desde que Elisabeth Thimble voou com um balão de ar quente, em 1784.

Na década de 1920, quando minha avó era criança, Amelia Earhart – a simpática moça da foto que ilustra este post – não apenas usava calça como também cruzava o Atlântico pilotando aviões. Se bobear, até votava e trabalhava fora, para assombro dos machistas de 2012.”


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Interessante e enigmático:  "pilotar" um país como o Brasil, pode, não é? Tsc, tsc, tsc...

segunda-feira, 21 de maio de 2012

G.ROSA

POÉSIE DU CIEL - par Masahiro Miyasaka

Une feuille d'érable pleine de givre brille du même éclat que la constellation d'Orion, les Pléiades ou Sirius.


Une galaxie en fleurs



Un jour qu'il s'était perdu, Masahiro Miyasaka s'est retrouvé sous les cerisiers en fleurs, qui rappelaient étrangement la Voie Lactée, notre galaxie, visible dans le ciel d'été. Entre les arbres, on peut apercevoir le triangle de l'été, composé des étoiles Vega, Altaïr et Deneb.

 La Voie Lactée au-dessus du Japon

DRUMMOND - Quintana's Bar

Drummond e Quintana

Quintana's Bar
Carlos Drummond de Andrade

Num bar fechado há muitos, muitos anos, e cujas portas de aço bruscamente se descerram, encontro, quem eu nunca vira, o poeta Mario Quintana. Tão simples reconhecê-lo, toda identificação é vã. Em algum lugar - coxilha? montanha? vai rorejando a manhã.

Na total desincorporação das coisas antigas, perdura um elemento mágico: estrela-do-mar - ou Aldebarã?, tamanquinhos, menina correndo com o arco. E corre com pés de lã.

Falando em voz baixa nos entendemos, eu de olhos cúmplices, ele com seu talismã. Assim me fascinavam outrora as feitiçarias da preta, na cozinha de picumã.

Na conspiração da madrugada, erra solitário - dissolve-se o bar - o poeta Quintana.Seu olhar devassa o nevoeiro, cada vez mais densa é a bruma de antanho.

Uma teia tecendo, e sem trabalho de aranha. Falo de amigos que envelheceram ou que sumiram na semente de avelã.

Agora voamos sobre os tetos, à garupa da bruxa estranha. Para iludirmos a fome que não temos pintamos um romã.

O poeta aponta-me casas, a de Rimbaud, a de Blake e a gruta camoniana.
As amadas do poeta, lá embaixo, na curva do rio, ordenham-se em lenta pavana, e uma a uma, gotas ácidas, desaparecem no poema. É há tantos anos, será ontem, foi amanhã?

Signos criptográficos ficam gravados no céu eterno – ou na mesa de um bar abolido, enquanto debruçado sobre o mármore, silenciosamente viaja o poeta Mario Quintana.
*            *            *

In: Carlos Drummond de Andrade – Poesia Completa, 'Claro Enigma'. Editora Nova Aguilar p. 273

ROBERTA SÁ - A Flor e o Espinho (Cartola)

domingo, 20 de maio de 2012

OLINDA RIBEIRO

Caros amigos e admiradores da poesia de Olinda Ribeiro:

Um mimo para todos vocês - e para mim também, claro - do já conhecido perfume de Olinda.

Um post com três poemas, uma vez que estou com certas dificuldades no acesso à Internet.

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Poesia Coquete
Olinda Ribeiro

As afeições marmoreadas embotam os sentidos. Poesias,
Passeiam copiosas entre avenidas, veredas, e arvoredos frondosos,
Almas amantes surripiando carinhos e olhares famintos,
São poemas sobre rolas, fénix, unicórnios e sereias rubescentes,
As delicadas poesias são só sonhos almejados por poetas,
Todos os poetas tecem magnânimos mantras à poesia…
(Os poemas)

Paraísos em debandada entre rimas e amor explícito e implícito,
E sabemos nada! Temos sede do atingível verso perfeito.
Entre papos de anjo e teias de aranha arquitetamos laudes,
O musculo coração bate acelerado/serenizado ante a criação,
Se uma só palavra basta para arrebatar a mente e o ser e o existir.
Asperge-se todas as coisas como um acto de viver merecidamente,
Vive-se cada letra abreviada unida a outra e nasce a palavra respirada,
Depois… Depois a frase, descritiva, revela por quem bate o coração,
O olhar crepitante pinta sentimentos, muitos risos e flores marron…
Debalde o que se passa em redor ouve-se música celestial
Entre as pedras da rua o ébrio zigazeante e a perfuradora.
E se por um feliz acaso estamos arrebatadamente apaixonados
Então a poesia nasce até dum caracol pastando pelos caminhos de Santiago!
Somos capazes de nos considerar destramente sábios,
O ego fica do tamanho do universo e os deuses que se acautelem…
O vento borrascoso dá um safanão … como imagens cópticas… pó,
As palavras cépticas desfazem-se como espuma na areia,
E a lição a reter é que a vida é para viver tal como o amor,
E se por um ocaso a poesia que sinto a for transmitindo,
Não é por mérito próprio mas por vontade da própria poesia.
Os poetas nada sabem de poesia.
A poesia sabe tudo dos poetas.
Brinca com os poetas,
como se os poetas fossem grãos de areia escorrendo entre os dedos…
Mas é caprichosa!
Não permite que outrem desdenhe dos seus poetas….
Isso é que não!
Os poetas são seus!
Ama-os fogosamente …
no ardor da paixão inspira-os,
No amago da tristeza consola-os,
e nos dias de chuva fazem amor!

2012 Olinda Ribeiro
**

Tenho a alma virada pro mar
Olinda Ribeiro


Tenho a alma virada pró mar
aquela imensidão
aquarelas brilhantes
baloiçando
ora sim ora não
piscares cadentes
bailar bailar bailar
em espuma e sal
e o mar
a minha alma a espelhar!

 
2009 Olinda Ribeiro 18 de Maio
**
 
 
 
O tempo voou
Olinda Ribeiro

como é que já anoiteceu
se ainda agora amanheceu
chamaste por mim
e
o tempo voou

posso sem receio afirmar
que
o tempo se distraiu
e deixou passar as horas
pois
entre o toque da tua pele
o cheiro a talco
a canção de ninar
amamentar
ser seduzida por ti
passaram
apenas uns breves instantes!

1994 Lili (Olinda Ribeiro)10 de Outubro

***

sexta-feira, 11 de maio de 2012

GIBRAN KHALIL GIBRAN - Os filhos

Vossos filhos não são vossos filhos.

São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.

Vêm através de vós, mas não de vós.

E embora vivam convosco, não vos pertencem.

Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,

Porque eles têm seus próprios pensamentos.

Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;

Pois suas almas moram na mansão do amanhã,

Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.

Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,

Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.

O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força

Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.

Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:

Pois assim como ele ama a flecha que voa,

Ama também o arco que permanece estável.


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MANOEL DE BARROS - O casaco

O casaco
Manoel de Barros

Um homem estava anoitecido.
Se sentia por dentro um trapo social.
Igual se, por fora, usasse um casaco rasgado e sujo.

Tentou sair da angústia.
Isto ser:
... Ele queria jogar o casaco rasgado e sujo no lixo.

Ele queria amanhecer.


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quarta-feira, 9 de maio de 2012

UM EDITORIAL

Eternamente crianças
(Editorial Revista 'Viver bem '– outubro 2007)

Invista na qualidade do tempo que você dedica aos pequenos.

Os antigos eram sábios: faziam da cozinha o coração da casa. Era pela porta da cozinha que os amigos entravam (a da sala era reservada às “visitas”).
Em torno do fogão era que acontecia a vida.

As alegrias tinham um sabor especial, um perfume de temperos, uma consciência preciosa, e eram servidas em pratos fundos, generosos, sobre a ampla mesa sempre coberta por uma toalha branquíssima, imaculada. As tristezas viravam uma sopa suculenta, quente, que envolvia, acolhia, consolava.

Para as mães recentes se preparava uma canja “pedaçuda”, uma canjica fortalecedora. Para os pequenos, ah, para os pequenos, sempre havia a mãe ou uma avó ou uma tia, com um avental comprido, pronta, disposta, com a mão na panela, para preparar alguma delícia. Que variava entre pipoca (sentíamos o cheiro lá de fora), um pudim cremoso, gelatinas coloridas em copinhos, sorvetes no calor, chocolate quente no frio e sempre, sempre, uma fruteira coloridíssima, repleta de frutas, que pegávamos ao passar e saíamos comendo, um bolo fofíssimo que deixava a cozinha perfumada. Elas nos deixavam bater a massa e lamber a tigela. E conversavam, contavam histórias, nos davam atenção.

Difícil medir esse tempo em horas.

Minhas lembranças priorizam a qualidade. Da proximidade, do carinho expresso em tantas e tantas pequenas ações, do ficar junto para montar um quebra-cabeça, do acompanhar a lição de casa, do preparar uma cesta de piquenique para passar o dia no parque, na praia; dos perfumes que vinham da cozinha em época de festas.
Essa qualidade ficou. Marcou. Estruturou.

Criança é um livro em branco e nós ajudamos a preencher as páginas.
Que estas sejam da melhor qualidade.
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terça-feira, 8 de maio de 2012

CORA CORALINA - Aninha e suas pedras

Aninha e suas pedras
Cora Coralina

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras
e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que tem sede.

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quinta-feira, 3 de maio de 2012

OLAVO BILAC - Via Láctea

Via Láctea
Olavo Bilac

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
que, para ouvi-las, muita vez desperto
e abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
a Via Láctea, como um pálio aberto,
cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
capaz de ouvir e entender estrelas"

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