quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Listas e mais listas...

De "Revista Bula"
Os 10 melhores finais de livros da Literatura Universal
Carlos Willian Leite
(...)

Nada de Novo no Front  - Erich Maria Remarque
“Estou muito tranquilo. Que venham os meses e os anos, não conseguirão tirar nada de mim, não podem tirar-me mais nada. Estou tão só e sem esperança que posso enfrentá-los sem medo. A vida, que me arrastou por todos estes anos,  eu ainda a tenho nas mãos e nos olhos. Se a venci, não sei. Mas enquanto existir dentro de mim — queira ou não esta força que em mim reside e que se chama “Eu” — ela procurará seu próprio caminho… Tombou morto em outubro de 1918, num dia tão tranquilo em toda a linha de frente, que o comunicado se limitou a uma frase: “Nada de novo no front”. Caiu de bruços, e ficou estendido, como se estivesse dormindo. Quando alguém o virou, viu-se que ele não devia ter sofrido muito. Tinha no rosto uma expressão tão serena,  que quase parecia estar satisfeito de ter terminado assim.”
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On The Road - Jack Kerouac
“Assim, na América, quando o sol se põe, eu me sento no velho e arruinado cais do rio olhando os longos, longos céus acima de Nova Jersey, e consigo sentir toda aquela terra crua e rude se derramando numa única, inacreditável e elevada vastidão, até a costa oeste, e a estrada seguindo em frente, todas as pessoas sonhando naquela imensidão, e em Iowa eu sei que agora as crianças devem estar chorando na terra onde deixam as crianças chorar, e você não sabe que Deus é a Ursa Maior? 
A estrela do entardecer deve estar morrendo e irradiando sua pálida cintilância sobre a pradaria, reluzindo pela última vez antes da chegada da noite completa, que abençoa a terra, escurece todos os rios, recobre os picos e oculta a última praia, e ninguém, ninguém sabe o que vai acontecer a qualquer pessoa, além dos desamparados andrajos da velhice. 
Penso então em Dean Moriarty, penso no velho Dean Moriarty, o pai que jamais encontramos, penso em Dean Moriarty.”
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A Espera dos Bárbaros - J. M. Coetzee
“No centro da praça, algumas crianças estão construindo um boneco de neve. Acerco-me, temendo assustá-las, mas tomado de uma inexplicável alegria. 
Não se assustam, estão ocupadas demais para sequer me notar. 
Terminaram o grande corpo redondo e, agora, estão fazendo uma bola para a cabeça! — Alguém tem de ir buscar as coisas para a boca, o nariz e os olhos — diz o menino que os lidera. 
Ocorre-me que o boneco de neve precisará de braços também, mas não interfiro. Colocaram a cabeça sobre os ombros e, com seixos, fazem os olhos, as orelhas, o nariz e a boca. Um deles o cobre com o boné. Não está mal o boneco. 
Não se trata da cena com que costumo sonhar. 
Como tantas outras vezes atualmente, deixo-os, sentindo-me tolo, como um homem que há muito se extraviou, mas que ainda insiste em seguir pela estrada que não o levará a parte alguma.”
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Cem Anos de Solidão - Gabriel García Márquez
“Macondo já era um pavoroso redemoinho de poeira e escombros centrifugados pela cólera do furacão bíblico quando Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo em fatos demasiado conhecidos e começou a decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse se vendo num espelho falado. 
Então deu outro salto para se antecipar às predições e averiguar a data e as circunstâncias de sua morte. 
Porém, antes de chegar ao verso final já havia compreendido que não sairia jamais daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilônia acabasse de decifrar os pergaminhos, e que tudo estava escrito neles era irrepetível desde sempre e para sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda chance sobre a terra.”
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1984 - George Orwell
“Já não corria nem dava vivas. Estava de volta ao Ministério do Amor, tudo perdoado, a alma branca de neve. Estava na tribuna dos réus, confessando tudo, implicando todos. 
Ia andando pelo corredor de ladrilhos brancos, com a impressão de andar ao sol, acompanhado por um guarda armado. 
Por fim penetrava-lhe o crânio a bala tão esperada. Levantou a vista para o rosto enorme. Levou quarenta anos para aprender que espécie de sorriso se ocultava sob o bigode negro. 
Oh mal-entendido cruel e desnecessário! Oh teimoso e voluntário exílio do peito amantíssimo! 
Duas lágrimas cheirando a gin escorreram de cada lado do nariz. Mas agora estava tudo em paz, tudo ótimo, acabada a luta. 
Finalmente vencida a batalha contra si mesmo. Amava o Grande Irmão.”
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Lolita  - Vladimir Nabokov
“Nenhum de nós estará vivo quando o leitor abrir este livro. 
Mas, enquanto o sangue ainda pulsa nesta mão com que escrevo, você faz parte, como eu, da bendita matéria universal, e daqui posso te alcançar nas lonjuras do Alasca. 
Seja fiel a teu Dick. Não deixe que nenhum outro homem te toque. Não fale com estranhos. Espero que você ame teu bebê. Espero que seja um menino. 
Esse teu marido, assim espero, sempre te tratará bem, porque, se não, meu fantasma o atacará como uma nuvem de negra fumaça, como um gigante insano, e o destroçará nervo por nervo. 
E não tenha pena do C.Q. Era preciso escolher entre ele e o H.H., e era desejável que H.H. existisse pelo menos alguns meses a mais a fim de que você pudesse viver para sempre nas mentes das futuras gerações. 
Estou pensando em bisões extintos e anjos, no mistério dos pigmentos duradouros, nos sonetos proféticos, no refúgio da arte. Porque essa é a única imortalidade que você e eu podemos partilhar, minha Lolita.”
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Notas do Subsolo - Fiódor Dostoiévski
“Deixem-nos sós, sem livros, e imediatamente ficaremos confusos, perdidos — não saberemos a quem nos unir, o que devemos apoiar; o que amar e o que odiar; o que respeitar e o que desprezar. Até mesmo nos é difícil ser gente — gente com seu próprio e verdadeiro corpo e sangue; sentimos vergonha disso, achamos que é um demérito e nos esforçamos para ser uma espécie inexistente de homens em geral. 
Somos natimortos, e há muito tempo nascemos não de pais vivos, e isso nos agrada cada vez mais. Estamos tomando gosto. Em breve vamos querer nascer da ideia, de algum modo. 
Mas basta, não quero mais escrever “do subsolo”… Entretanto, aqui não terminam as “notas” desse paradoxista. O autor não resistiu e prosseguiu com elas. Mas nós também pensamos que é possível terminar por aqui.”
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Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski
“Ela esteve também comovida todo aquele dia e, à noite, voltou a ficar doente. Mas era feliz a tal ponto que quase a assustava a sua felicidade. Sete anos, só sete anos! 
No princípio da sua felicidade, houve alguns momentos em que tinham estado dispostos a considerar aqueles sete anos como sete dias. Ele nem sequer sabia que a vida nova não lhe seria dada gratuitamente, mas que ainda teria de comprá-la caro, pagar por ela uma grande façanha futura… 
Mas aqui começa já uma nova história, a história da gradual renovação de um homem, a história do seu trânsito progressivo dum mundo para outro, do seu contato com outra realidade nova, completamente ignorada até ali. 
Isto poderia constituir o tema duma nova narrativa… mas a nossa presente narrativa termina aqui.”
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O Grande Gatsby - F. Scott Fitzgerald
“E, quando lá me achava a meditar sobre o velho, desconhecido mundo, lembrei-me da surpresa de Gatsby, ao divisar pela primeira vez, a luz verde e existente na extremidade do ancoradouro de Daisy. 
Ele viera de longe, até aquele relvado azul, e seu sonho de ter-lhe parecido tão próximo, que dificilmente poderia deixar de alcança-lo. Não sabia que seu sonho já havia ficado para trás, perdido em algum lugar, na vasta obscuridade que se estendia para além da cidade, onde as escuras campinas da república se estendiam sob a noite. 
Gatsby acreditou na luz verde, no orgiástico futuro, que ano após ano, se afastava de nós. Esse futuro nos iludira, mas não importava: amanhã correremos mais depressa, estenderemos mais os braços… E, uma bela manhã… E assim prosseguimos, botes contra a corrente, impelidos incessantemente para o passado.”
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O Estrangeiro -   Albert Camus
“Pela primeira vez, em muito tempo, pensei em mamãe. 
Pareceu-me compreender por que, ao fim de uma vida, arranjaram um ‘noivo’, porque recomeçara. Lá, também lá, ao redor daquele asilo onde as vidas se apagavam, a noite era como uma trégua melancólica. Tão perto da morte, mamãe deve ter-se sentido liberada e pronta a reviver tudo. Ninguém, ninguém tinha o direito de chorar por ela. 
Também eu me senti pronto a reviver tudo. Como se esta grande cólera me tivesse purificado do mal, esvaziado de esperança, diante desta noite carregada de sinais de estrelas, eu me abria pela primeira vez à terna indiferença do mundo. Por senti-lo tão parecido comigo, tão fraternal, enfim, senti que tinha sido feliz e que ainda o era. 
Para que tudo se consumasse, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muitos espectadores no dia da minha execução e que me recebessem com gritos de ódio.”

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Neste momento, eu acrescentaria dois livros nessa lista, cujos finais considero esplêndidos:

Dom Casmurro - Machado de Assis
"Agora, porque é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é este propriamente o resto do ivro. O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente.  Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes,dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers.1:  'Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti'.  Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.
E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve! Vamos à História dos Subúrbios.
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Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis
Cap. 160 - Das negativas
Entre a morte do Quincas Borba e a minha, mediaram os sucessos narrados na primeira parte do livro. O principal deles foi a invenção do emplasto Brás Cubas, que morreu comigo, por causa da moléstia que apanhei. Divino emplasto, tu me darias o primeiro lugar entre os homens, acima da ciência e da riqueza, porque eras a genuína e direta inspiração do céu. O acaso determinou o contrário; e ai vos ficais eternamente hipocondríacos.

Este último capítulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. 
Verdade é que, ao lado dessas faltas, coube-me a boa fortuna de não comprar o pão com o suor do meu rosto. Mais; não padeci a morte de Dona Plácida, nem a semidemência do Quincas Borba. Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e, conseguintemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.

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segunda-feira, 28 de outubro de 2013

RAY BRADBURY - "Farenheit 451" (trecho)

Da página "O Fiel Carteiro" - facebook

"Farenheit 451"  
posfácio de Ray Bradburry (tradução livre)

...
- Mas o senhor é o Queimador-Chefe! Não pode ter livros em sua casa!
Ao que o Chefe, com um sorrisinho seco, replica:
- O crime não é ter livros, Montag, o crime é lê-los. Sim, é isso mesmo. Eu tenho livros, mas não os leio!
Montag, chocado, aguarda a explicação de Beatty.

- Você não vê a beleza, Montag? Eu nunca os leio. Nem um deles, nem um capítulo, nem uma página, nem um parágrafo. Eu realmente jogo com ironias, não é? Ter milhares de livros e jamais abrir um, voltar as costas para todos e dizer: Não. É como ter uma casa cheia de mulheres lindas e, sorrindo, não tocar… nenhuma delas. Então, você entende, não sou absolutamente nenhum criminoso. Se você algum dia me pegar lendo um, aí sim, pode me prender! Mas este lugar é tão puro quando o quarto bege de uma virgem de doze anos numa noite de verão. Esses livros morrem nas estantes. Por quê? Porque assim o digo. Eu não lhes dou sustentação, nenhum esperança com a mão, o olho ou a língua. Eles não valem mais do que a poeira.

Montag protesta:

- Não vejo como o senhor não possa ser…
- Tentado? – exclama o Chefe dos Bombeiros. – Ah, isso foi há muito tempo. A maçã foi comida e sumiu. A serpente voltou para sua árvore. O jardim virou mato e ferrugem.

- Antigamente… – Montag hesita, depois continua. Antigamente o senhor deve ter amado muito os livros.
- Touché! – responde o Chefe dos Bombeiros. – Abaixo da cintura. No queixo. Bem no coração. Rasgando a tripa. Ah, olhe para mim, Montag. O homem que amava livros, não, o garoto que era ávido por eles, maluco por eles, que trepava nas estantes como um chimpanzé enlouquecido por eles. 
Eu os comia como salada, os livros eram meu sanduíche no almoço, meu lanche, jantar e gula da meia-noite. Eu rasgava as páginas, comia-as com sal, ensopava-as em tempero, mordia os cadernos, virava os capítulos com a língua! Livros às dúzias, vintenas e bilhões. Carreguei tantos para casa que durante anos fiquei corcunda. Filosofia, história da arte, política, ciências sociais, o poema, o ensaio, a peça grandiosa, o que você imaginar, eu devorava. E então… e então… – a voz do Chefe dos Bombeiros se enfraquece.

Montag insiste:

- E então?
- Ora, a vida me apanhou. – O Chefe dos Bombeiros fecha os olhos para se lembrar. – A vida. O de sempre. O mesmo. O amor que não dava certo, o sonho que azedava, o sexo que frustrava, as mortes que chegaram rápido para amigos que não mereciam, o assassinato de um ou de outro, a insanidade de alguém próximo, a morte lenta da mãe, o suicídio abrupto do pai: um estouro de manada de elefantes, um surto de doença. E, em parte alguma, em lugar algum, o livro certo na hora certa para enfiar na parede rota da represa para conter a inundação, dar ou tirar uma metáfora, perder ou encontrar um símile. E entre o final dos trinta e a proximidade dos trinta e um, recompus-me: cada osso partido, cada centímetro de carne arranhada, escoriada ou cicatrizada. Olhei no espelho e vi um velho perdido atrás da face assustada de um jovem, vi ali um ódio por tudo e por nada, o que você imaginar, droga. E abri as páginas dos livros de minha ótima biblioteca e o que encontrei, o que, o quê?

Montag tenta adivinhar:

- As páginas estavam vazias?
- Na mosca! Vazias! Sim, as palavras estavam lá, é claro, mas passavam por meus olhos como óleo quente, sem significar nada. Não ofereciam nenhuma ajuda, nenhum conforto, nem paz, nem segurança, nem amor verdadeiro, nem cama, nem luz.

Montag rememora:

- Trinta anos atrás… a queima das últimas bibliotecas…
- Exatamente. – Beatty anui com a cabeça. – E sem emprego, sendo um romântico fracassado ou o diabo que fosse, candidatei-me a Bombeiro de Primeira Classe. Primeiro a subir os degraus, primeiro na biblioteca, primeiro no coração da fornalha acesa de seus compatriotas, encharque-me com querosene, passe-me a minha tocha! A aula acabou. Aí está, Montag. Agora, fora daqui!


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domingo, 27 de outubro de 2013

Vivendo e aprendendo...com os livros


PREVISÕES LITERÁRIAS

Esqueça Nostradamus. Por incrível que pareça, as maiores previsões vieram de obras literárias de alguns escritores famosos. Alguns chegaram a falar que poderiam ter ficado ricos com suas previsões. 

Quer saber o que eles falaram? 

- JULIO VERNE (1828-1905)
Julio Verne foi um dos pioneiros do futurismo e previu a existência de viagens espaciais, submarinos, helicópteros e satélites. 
Em 1869, o escritor francês imaginou um submarino que utilizava um combustível eficiente e praticamente inesgotável. A ideia se concretizou em 1955, com o primeiro submarino de verdade movido por propulsão nuclear. Ele recebeu o nome de Nautilus em homenagem ao veículo descrito por Verne.

A descrição de uma viagem à Lua também foi quase profética: o livro Da Terra à Lua (1865) é praticamente um rascunho do que ocorreu de fato com o projeto americano Apollo, em 1969. 
A duração da jornada (97 horas na ficção e 103, na realidade), o número de tripulantes (três), os locais de lançamento (a Flórida) e de pouso (o Mar da Tranqüilidade, na Lua), tudo parece ter sido previsto um século antes. 
A cápsula de Verne, em forma de bala, media 4,8m de altura e 2,7m de diâmetro. A Apollo media 3,7m de altura e 3,9m de diâmetro. 
Até mesmo o regresso à Terra, com o pouso no Pacífico e o resgate por um navio, é igual.

- H.G.WELLS (1866-1946)
A lista de invenções e ideias de Wells que se tornaram realidade é impressionante. 
Em Guerra dos Mundos (1898), ele descreve o laser e, em When the sleeper wakes (1899), fala de portas automáticas. 
Wells não descreveu especificamente o celular, mas falou em alguns de seus romances, de um futuro em que as pessoas usariam meios de comunicação sem fios e correios de voz.  
Suas “previsões” sobre a guerra também foram impressionantes. Tanques, bombardeamentos aéreos e mesmo bombas nucleares já estavam descritos em seus livros.

- ARTHUR C. CLARKE (1917 – 2008)
Ele próprio confessa que teria ficado rico se tivesse patenteado a ideia dos satélites em órbita fixa ao redor da Terra. 
A sugestão foi apresentada em um artigo de 1945, como um meio de melhorar as telecomunicações. 
O conto A Sentinela (1951) deu origem a 2001: Uma Odisséia no Espaço, filme de 1968 de Stanley Kubrick sobre o supercomputador HAL 9000, que comanda uma espaçonave, adquire vontade própria e começa a eliminar os tripulantes. 
O filme prevê os computadores capazes de derrotar o homem no xadrez (coisa que aconteceu em 1997, quando um supercomputador da IBM bateu o campeão de xadrez Gari Kasparov em um tira-teima) e mostra uma cidade orbital quase igual à Estação Espacial Internacional.

Até o iPad já tinha sido “previsto” por Clarke. 
No livro 2001, escrito em 1968, baseado no script que ele escreveu para o filme de Stanley Kubrick, o protagonista utiliza algo chamado Newspad, um computador usado basicamente para exibir conteúdo como jornais, atualizados automaticamente, durante uma viagem.


- CYRANO DE BERGERAC (1619 – 1655)
O escritor e duelista francês existiu de verdade e, sim, tinha um enorme nariz (mas isso não é relevante). 
Em pleno século 17, ele descreveu em uma de suas obras algo que se parecia com um gravador: uma caixa que permitia “ler com as orelhas”. 
E vai mais longe: em Viagem à lua (1650), ele fala de uma nave dividida em várias partes que se queimavam sucessivamente, até situar a cápsula tripulada em órbita. Parece familiar? 
A ideia foi retomada por Julio Verne em Da Terra à Lua, de 1865.

- ALDOUS HUXLEY (1894-1963)
A obra mais famosa do escritor inglês, Admirável Mundo Novo (1932), descreve um cenário sombrio em que a casta dirigente recorre à lavagem cerebral e à manipulação genética para manter a população idiota. 
O livro prevê a liberação sexual dos anos 60, as drogas químicas, a clonagem e até a realidade virtual, que ali aparece com o nome de cinema-sensível. 
Fora todas as outras associações possíveis entre o “mundo novo” de Huxley e o nosso.

- GEOFFREY HOYLE (1942)
O escritor britânico nascido em 1942 escreveu o livro 2010: Living in the Future em 1972 e antecipou boa parte da tecnologia do século 21. Webcams, compras pela internet, ensino à distância, bibliotecas digitais, estava tudo lá. 
Olha a descrição de uma sala com acervo digital em uma biblioteca do futuro: “Os livros, filmes e jornais estão todos armazenados no computador da biblioteca. Primeiro você acessa o índice de biblioteca. Este arquivo contém todos os livros que já foram escritos. Não importa se eles foram primeiro escritos em chinês ou francês. Eles vão estar aqui, traduzidos para o Inglês. Há também um índice de filmes e jornais.”
Na descrição de Hoyle, você pode até virar as páginas usando botões e acessar qualquer livro em sua própria casa. 
Ele previu até o déficit de atenção das pessoas do futuro: “Enquanto você está na biblioteca, você pode querer ver alguns filmes de viagem para lhe ajudar a decidir para onde irá nas próximas férias. (…) Até mesmo se você estiver sozinho em sua casa, você pode conversar com seus amigos durante a aula. É só digitar o número de um amigo e o seu rosto aparece no canto da tela”.

- GEORGE ORWELL (1903 – 1950)
A expressão Big Brother surgiu no romance 1984 (de 1948), em que o autor britânico antevê as paranoias que se tornariam realidade com as câmeras de vigilância espalhadas hoje por todo lado. 
O adjetivo “orwelliano” cabe a todo regime totalitário que altera fatos históricos a seu favor e só acredita na paz por meio da guerra. 
Fora que o autor inspirou um dos reality shows mais famosos do mundo.

- RAY BRADBURY (1920)
No livro Fahrenheit 451 (de 1953), Bradbury imagina os EUA dos anos 90 como uma sociedade hedonista e anti-intelectual, onde é proibido ler livros. Nesse mundo, todo trabalhador sonha em comprar sua “televisão de parede”, uma sala com projeções 3D e um sistema de som multicanal, onde as pessoas se sentem imersas na transmissão de espetáculos musicais ou competições que testam seu conhecimento sobre cultura popular, e onde os atores de suas séries preferidas são chamados de família. 
Detalhe: quando Fahrenheit foi lançado, em 1953, a televisão colorida havia sido lançada nos EUA fazia apenas 3 anos e ainda era extremamente cara. 
Tecnologias como o laserdisc e sistemas de som multicanal, que iriam tornar possível os home theaters, só surgiram na década de 1980. 
E o melhor: Bradbury pôde ver suas previsões acontecerem.

Nota: Bradbury faleceu recentemente, no final de 2012.


- JOHANN WOOFGANG VON GOETHE (1749 – 1832)
Além da literatura, Goethe se interessava muito por ciência e deixou trabalhos importantes em campos como botânica, física, química e até meteorologia. E ele previu um retrato acertado sobre o mundo atual também. 
Em Fausto, Goethe antecipou a questão ambiental que o homem enfrenta hoje, destruindo a natureza em prol de um suposto desenvolvimento da civilização. 
No romance Os anos de peregrinação de Wilhelm Meister, ele cunhou o termo ‘velocífero’, mistura das palavras “velocidade” e “Lúcifer”, para se referir a um mundo frenético de velocidade demoníaca.


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Notinha: Procurando bem, podemos encontrar outros...

Eu me lembrei do nosso MONTEIRO LOBATO:
O Choque das Raças ou O Presidente Negro, foi o único romance adulto escrito por Monteiro Lobato, e publicado em 1926 em folhetins no jornal carioca "A Manhã". 
Esse livro tinha o subtítulo “Romance americano do ano 2228”. 


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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

A poesia de cada um...

A poesia que há em cada um de nós 
Sté Spengler , maio 27, 2013

Ela entra em uma livraria e passa reto pela prateleira de Fernando Pessoa, Mário Quintana, Olavo Bilac e Cecília Meireles – poetas.
Recorre imediatamente para a prateleira de Machado de Assis, Camilo Castelo Branco e Clarice Lispector – prosadores.
É preciso uma história que tenha começo, meio e fim – algo que envolva o leitor e seja seu companheiro por alguns dias ou semanas.
O poema é breve, tem uma linguagem que obriga uma reflexão mais profunda. É preciso ler mais de uma vez para realmente compreendê-lo.
Poema é bom quando se está apaixonado e quer mandar um verso para o ser amado. Mas um livro de poemas? Ah, isso não!

Antes de começar a estudar Teoria Literária eu era uma pessoa que fugia de poemas. Eu até gostava de ler um ou outro, mas quando me deparava com um LIVRO inteirinho de poemas, ah não, isso não é pra mim!. Bom, confesso que aprendi a gostar quando passei a enxergar a verdadeira poesia que há em cada palavra – a poesia que há em mim.

Confuso com o uso das palavras poema e poesia? Pois é. Minha professora terá uma séria conversa comigo se descobre que estou escrevendo sobre esse tema.
Muitos pensam que poema e poesia é a mesma coisa, mas não. Em curtas palavras, poema é o texto, poesia é a “magia” que é despertada dentro de você ao ler aquele poema.
Poesia é o novo olhar, é o sentimento.

Na prosa também há poesia!
Quando li Jane Eyre (de Charlotte Brontë) pela primeira vez, fiquei profundamente tocada com o enredo – uma mulher que teve um início de história conturbado, mas que não teve pena de si e prosseguiu até conquistar o melhor da vida.
Hoje temos uma relação intensa de intimidade (é aquele exemplar com as bordas gastas que eu não empresto para ninguém!) e ouso dizer que se eu pudesse me definir em UM ÚNICO livro, seria Jane Eyre!
Então, por que tanto amor por um livro? Porque a poesia que dele emanou me tocou de uma maneira especial.

Você também pode ter poesia em um belo por do sol, porque provoca sentimento em você.
A poesia pode emanar de uma troca de olhares, de uma bela melodia, de uma colherada de sorvete ou de um sorriso de criança.

Um dos significados da palavra poeta é “aquele que tem faculdades poéticas”.
Cada um de nós pode ser poeta sem nunca escrever uma palavra sequer. Sim, é verdade!
Podemos ser poetas quando optamos em acordar naquele dia nublado e pintar o carpe diem no céu – realmente aproveitar aquele dia que está começando.
Podemos ser poetas quando observamos o voo de um pássaro ou o árduo trabalho de uma formiga em carregar até cem vezes o seu peso.
Podemos ser poetas quando lemos um poema ou uma prosa e absorvemos a intensidade daquelas palavras.

“A poesia é a arte de materializar sombras e de dar existência ao nada”, disse Edmund Burke, filósofo irlandês.
Resumindo, podemos ser poetas quando decidimos sentir a vida e tudo o que nela há, simplesmente porque sentir é o que nos torna vivos e poesia é isso… poesia é vida!


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GUIMARÃES ROSA e DRUMMOND


Escritor mineiro João Guimarães Rosa é autor de "Grande Sertão: Veredas", clássico da literatura brasileira
João Guimarães Rosa

"Afinal o esperado romance de Guimarães Rosa".

Esse era o chamariz do anúncio da editora José Olympio no "Correio da Manhã" de 17 de julho de 1956.
O anúncio ainda advertia: 
"Quando V. ler esse livro, não passe adiante o seu enredo. Deixe aos outros o prazer de descobrir o GRANDE SERTÃO: VEREDAS".

Dias depois, em 5/8, no mesmo jornal, o cronista Carlos Drummond de Andrade versejava:


"Uma semana igual às outras: prosa,
entretanto (não vamos rasgar sedas),
tal como outra não há, Guimarães Rosa
em seu 'Grande Sertão', traça veredas
Riobaldo e Diadorim bebem na flor
de gravatá e vão vivendo estórias
em que a morte redoura, duro amor,
a perfeição de uma arte sem escórias".
*
Luís Felipe de Macedo Soares in:Folha de S.Paulo - Ilustríssima



Foto: Rosa e Aracy

Foi no início da década de 1960 que leitores do mundo inteiro tiveram as primeiras notícias sobre grandes escritores de países da América Latina. Surgia o Realismo Mágico – ou Realismo Fantástico – apresentando nomes como os argentinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, o colombiano Gabriel García Márquez, o peruano Mario Vargas Llosa, os cubanos José Lezama Lima e Guillermo Cabrera Infante, os mexicanos Juan Rulfo e Octavio Paz, os chilenos Pablo Neruda e Violeta Parra, o paraguaio Augusto Roa Bastos, os uruguaios Mario Benedetti e Juan Carlos Onetti ou os brasileiros João Guimarães Rosa, Jorge Amado e Clarice Lispector, entre outros...

Imagem: João Guimarães Rosa e sua esposa, Aracy de Carvalho, em foto de 1942, quando o casal morava em Hamburgo, na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial. Rosa exercia o cargo de Cônsul do Brasil na Alemanha. 

Veja mais em:
http://semioticas1.blogspot.com.br/2013/02/bodas-do-boom.html 

Veja também:
http://semioticas1.blogspot.com.br/2013/01/das-minas-gerais.html
.
João Guimarães Rosa e sua esposa, Aracy de Carvalho, em foto de 1942, quando o casal morava em Hamburgo, na Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial. Rosa exercia o cargo de Cônsul do Brasil na Alemanha. 

Foi no início da década de 1960 que leitores do mundo inteiro tiveram as primeiras notícias sobre grandes escritores de países da América Latina. 
Surgia o Realismo Mágico – ou Realismo Fantástico – apresentando nomes como os argentinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar, o colombiano Gabriel García Márquez, o peruano Mario Vargas Llosa, os cubanos José Lezama Lima e Guillermo Cabrera Infante, os mexicanos Juan Rulfo e Octavio Paz, os chilenos Pablo Neruda e Violeta Parra, o paraguaio Augusto Roa Bastos, os uruguaios Mario Benedetti e Juan Carlos Onetti ou os brasileiros João Guimarães Rosa, Jorge Amado e Clarice Lispector, entre outros.

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terça-feira, 22 de outubro de 2013

SOROLLA - " O pintor da luz"


Joaquín Sorolla y Bastida nasceu em 27 de Fevereiro 1863 em Valência, Espanha. Recebeu sua educação artística inicial com 14 anos em sua cidade natal.

Com 18 anos viajou para Madrid para estudar pinturas no Museo del Prado. Depois do serviço militar ganhou uma bolsa para estudar pintura em Roma durante 4 anos.

Sorolla dedicava-se à produção de telas grandes, temas mitológicos, históricos e sociais para exibições em salões e exposições internacionais em Madrid, Paris, Veneza, Munique, Berlim e Chicago.

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Self-portrait


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Strolling along the Seashore

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Bathing on the beach

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Girls with flowers

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Otra Margarita

Com o notável Otra Margarita (1892)  foi premiado com uma medalha de ouro na Exposição Nacional em Madrid e com um prêmio na Exposição Internacional de Chicago. Logo tornou-se reconhecido.

*            *            *

Fonte:  "Esconderijo" , in OBVIOUS

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

VINÍCIUS DE MORAES - Lapa de Bandeira


LAPA DE BANDEIRA
Vinícius de Moraes - Rio de Janeiro , 1952

(Quinta rima) 
A Manuel Bandeira 

Existia, e ainda existe 
Um certo beco na Lapa 
Onde assistia, não assiste 
Um poeta no fundo triste 
No alto de um apartamento 
Como no alto de uma escarpa. 

Em dias de minha vida 
Em que me levava o vento 
Como uma nave ferida 
No cimo da escarpa erguida 
Eu via uma luz discreta 
Acender serenamente. 

Era a ilha da amizade 
Era o espírito do poeta 
A buscar pela cidade 
Minha louca mocidade. 
Como uma nave ferida 
Perambulando patética. 

E eu ia e ascensionava 
A grande espiral erguida 
Onde o poeta me aguardava 
E onde tudo me guardava 
Contra a angústia do vazio 
Que embaixo me consumia. 

Um simples apartamento 
Num pobre beco sombrio 
Na Lapa, junto ao convento... 
Porém, no meu pensamento 
Era o farol da poesia 
Brilhando serenamente.

*        *        *

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Maria Bethânia - Poema dos Olhos da Amada



POEMA DOS OLHOS DA AMADA
Vinícius de Moraes

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe dos breus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus 
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

*        *        *

sábado, 12 de outubro de 2013

GUIMARÃES ROSA - A menina de lá

A menina de lá
Guimarães Rosa

Sua casa ficava para trás da Serra do Mim, quase no meio de um brejo de água limpa, lugar chamado o Temor-de-Deus. O Pai, pequeno sitiante, lidava com vacas e arroz; a Mãe, urucuiana, nunca tirava o terço da mão, mesmo quando matando galinhas ou passando descompostura em alguém. E ela, menininha, por nome Maria, Nhinhinha dita, nascera já muito para miúda, cabeçudota e com olhos enormes.
Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito.  Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. - "Ninguém entende muita coisa que ela fala..." - dizia o Pai, com certo espanto.
Menos pela estranhez das palavras, pois só em raro ela perguntava, por exemplo: - "Ele xurugou?" - e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia.  Mas, pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido.  Com riso imprevisto: - "Tatu não vê a lua..." - ela falasse.  Ou referia estórias, absurdas, vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem;  de uma porção de meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo que nem se acabava;  ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo.  Só a pura vida.

Em geral, porém, Nhinhinha, com seus nem quatro anos, não incomodava ninguém, e não se fazia notada, a não ser pela perfeita calma, imobilidade e silêncios. Nem parecia gostar ou desgostar especialmente de coisa ou pessoa nenhuma. Botavam para ela a comida, ela continuava sentada, o prato de folha no colo, comia logo a carne ou o ovo, os torresmos, o do que fosse mais gostoso e atraente, e ia consumindo depois o resto, feijão, angu, ou arroz, abóbora, com artística lentidão. 
De vê-la tão perpétua e imperturbada, a gente se assustava de repente. – "Nhinhinha, que é que você está fazendo?" – perguntava-se. E ela respondia, alongada, sorrida, moduladamente: - "Eu... to-u... fa-a-zendo". Fazia vácuos. Seria mesmo seu tanto tolinha?

Nada a intimidava. Ouvia o Pai querendo que a Mãe coasse um café forte, e comentava, se sorrindo: - "Menino pidão... Menino pidão..." Costumava também dirigir-se à Mãe desse jeito: - "Menina grande... Menina grande..."  Com isso Pai e Mãe davam de zangar-se. Em vão.  Nhinhinha murmurava só: - "Deixa... Deixa..." – suasibilíssima, inábil como uma flor. O mesmo dizia quando vinham chamá-la para qualquer novidade, dessas de entusiasmar adultos e crianças. Não se importava com os acontecimentos. Tranquila, mas viçosa em saúde. Ninguém tinha real poder sobre ela, não se sabiam suas preferências. Como puni-la? E, bater-lhe, não ousassem; nem havia motivo. Mas, o respeito que tinha por Mãe e Pai, parecia mais uma engraçada espécie de tolerância. E Nhinhinha gostava de mim.
Conversávamos, agora. Ela apreciava o casacão da noite. – "Cheiinhas!" – olhava as estrelas, deléveis, sobre-humanas. Chamava-as de "estrelinhas pia-pia". Repetia: - "Tudo nascendo!" – essa sua exclamação dileta, em muitas ocasiões, com o deferir de um sorriso. E o ar. Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. – "A gente não vê quando o vento se acaba..." Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: - "Alturas de urubuir..." Não, dissera só: - "... altura de urubu não ir." O dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: - "Jabuticaba de vem-me-ver..." Suspirava, depois: - "Eu quero ir para lá." – Aonde? – "Não sei" Aí, observou: - "O passarinho desapareceu de cantar..." De fato, o passarinho tinha estado cantando, e, no escorregar do tempo, eu pensava que não estivesse ouvindo; agora, ele se interrompera. Eu disse: - "A Avezinha." De por diante, Nhinhinha passou a chamar o sabiá de "Senhora Vizinha..." E tinha respostas mais longas: - "E eu? Tou fazendo saudade." Outra hora falava-se de parentes já mortos, ela riu: - "Vou visitar eles..." Ralhei, dei conselhos, disse que ela estava com a lua. Olhou-me, zombaz, seus olhos muito perspectivos: "Ele te xurugou?" Nunca mais vi Nhinhinha.

Sei, porém, que foi por aí que ela começou a fazer milagres.
Nem Mãe nem Pai acharam logo a maravilha, repentina. Mas Tiantônia. Parece que foi de manhã. Nhinhinha, só, sentada, olhando o nada diante das pessoas: - "Eu queria o sapo vir aqui" Se bem a ouviram, pensaram fosse um patranhar, o de seus disparates, de sempre. Tiantônia, por vezo, acenou-lhe com o dedo. Mas, aí, reto, aos pulinhos, o ser entrava na sala, para aos pés de Nhinhinha – e não o sapo de papo, mas uma bela rã brejeira, vinda do verduroso, a rã verdíssima. Visita dessas jamais acontecera. E ela riu: - "Está trabalhando um feitiço..." Os outros se pasmaram; silenciaram demais.

Dias depois, com o mesmo sossego: - "Eu queria uma pamonhinha de goiabada" – sussurrou; e, nem bem meia hora, chegou uma dona, de longe, que trazia os pãezinhos da goiabada enrolada na palha. Aquilo, quem entendia? Nem os outros prodígios, que vieram se seguindo. O que ela queria, que falava, súbito acontecia. Só que queria muito pouco, e sempre as coisas levianas e descuidosas, o que não põe nem quita. Assim, quando a Mãe adoeceu de dores, que eram de nenhum remédio, não houve fazer com que Nhinhinha lhe falasse a cura. Sorria apenas, segredando seu – "Deixa... Deixa..." – não a podiam despersuadir. Mas veio vagarosa, abraçou a Mãe e a beijou , quentinha. A Mãe, que a olhava com estarrecida fé, sarou-se então, num minuto. Souberam que ela tinha também outros modos.

Decidiram de guardar segredo. Não viessem ali os curiosos, gente maldosa e interesseira, com escândalos. Ou os padres, o bispo, quisessem tomar conta da menina, levá-la para sério convento. Ninguém, nem os parentes de mais perto, devia saber. Também, o Pai, Tiantônia e a Mãe, nem queria versar conversas, sentiam um medo extraordinário da coisa. Achavam ilusão.

O que ao Pai, aos poucos, pegava a aborrecer, era que de tudo não se tirasse o sensato proveito. Veio a seca, maior, até o brejo ameaçava se estorricar. Experimentaram pedir a Nhinhinha: que quisesse a chuva. – "Mas, não pode, ué..." – ela sacudiu a cabecinha. Instaram-na: que, se não, se acabava tudo, o leito, o arroz, a carne, os doces, frutas, o melado. – "Deixa... Deixa..." – se sorria, repousada, chegou a fechar os olhos, ao insistirem, no súbito adormecer das andorinhas.

Daí a duas manhãs quis: queria o arco-íris. Choveu. E logo aparecia o arco-da-velha, sobressaído em verde e o vermelho – que era mais um vivo cor-de-rosa. Nhinhinha se alegrou, fora do sério, à tarde do dia, com a refrescação. Fez o que nunca lhe vira, pular e correr por casa e quintal.- "Adivinhou passarinho verde?" – Pai e Mãe se perguntavam. Esses, os passarinhos, cantavam, deputados de um reino. Mas houve que, a certo momento, Tiantônia repreendesse a menina, muito brava, muito forte, sem usos, até a Mãe e o Pai não entenderam aquilo, não gostaram. E Nhinhinha, branda, tornou a ficar sentadinha, inalterada que nem se sonhasse, ainda mais imóvel, com seu passarinho-verde pensamento. Pai e Mãe cochichavam, contentes: que, quando ela crescesse e tomasse juízo, ia poder ajudar muito a eles, conforme à Providência decerto prazia que fosse.


E, vai, Nhinhinha adoeceu e morreu. Diz-se que da má água desses ares. Todos os vivos atos se assam longe demais. 

Desabado aquele feito, houve muitas diversas dores, de todos, dos de casa: um de repente enorme. A Mãe, o Pai e Tiantônia davam conta de que era a mesma coisa que se cada um deles tivesse morrido por metade. E mais para repassar o coração, de se ver quando a Mãe desfiava o terço, mas em vez das ave-marias podendo só gemer aquilo de – "Menina grande... Menina grande..." – com toda ferocidade.E o Pai alisava com as mãos o tamboretinho em que Nhinhinha se sentava tanto, e em que ele mesmo se sentar não podia, que com o peso de seu corpo de homem o tamboretinho se quebrava.

Agora, precisavam de mandar um recado, ao arraial, para fazerem o caixão e aprontarem o enterro, com acompanhantes de virgens e anjos. Aí, Tiantônia tomou coragem, carecia de contar: que, naquele dia, do arco-íris da chuva, do passarinho, Nhinhinha tinha falado despropositado desatino, por isso com ela ralhara. O que fora: que queria um caixãozinho cor-de-rosa, com enfeites de verdes brilhantes... A agouraria! Agora, era para se encomendar o caixãozinho assim, sua vontade?

O Pai, em bruscas lágrimas, esbravejou: que não! Ah, que, se consentisse nisso, era como tomar culpa, estar ajudando ainda Nhinhinha a morrer... 

A Mãe queria, ela começou a discutir com o Pai. Mas, no mais choro, se serenou – o sorriso tão bom, tão grande – suspensão num pensamento: que não era preciso encomendar, nem explicar, pois havia de sair bem assim, do jeito, cor-de-rosa com verdes funebrilhos, porque era, tinha de ser! – pelo milagre, o de sua filhinha em glória, Santa Nhinhinha.

*            *            *

In: "Primeiras Estórias" - Livraria José Olympio Editora - 1981 - 12ª ed. - p.17-21

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

CECÍLIA MEIRELES - Mar absoluto


Mar Absoluto
Cecília Meireles

Foi desde sempre o mar,
E multidões passadas me empurravam
como o barco esquecido.
Agora recordo que falavam
da revolta dos ventos,
de linhos, de cordas, de ferros,
de sereias dadas à costa.
E o rosto de meus avós estava caído
pelos mares do Oriente, com seus corais e pérolas,
e pelos mares do Norte, duros de gelo.
Então, é comigo que falam,
sou eu que devo ir.
Porque não há ninguém,
tão decidido a amar e a obedecer a seus mortos.
E tenho de procurar meus tios remotos afogados.
Tenho de levar-lhes redes de rezas,
campos convertidos em velas,
barcas sobrenaturais
com peixes mensageiros
e cantos náuticos.

E fico tonta,
acordada de repente nas praias tumultuosas.
E apressam-me, e não me deixam sequer mirar a rosa-dos-ventos.
“Para adiante! Pelo mar largo!
Livrando o corpo da lição da areia!
Ao mar! – Disciplina humana para a empresa da vida!”

Meu sangue entende-se com essas vozes poderosas.
A solidez da terra, monótona,
parece-nos fraca ilusão.
Queremos a ilusão grande do mar,
multiplicada em suas malhas de perigo.
Queremos a sua solidão robusta,
uma solidão para todos os lados,
uma ausência humana que se opõe ao mesquinho formigar do mundo,
e faz o tempo inteiriço, livre das lutas de cada dia.

O alento heroico do mar tem seu pólo secreto,
que os homens sentem, seduzidos e medrosos.
O mar é só mar, desprovido de apegos,
matando-se e recuperando-se,
correndo como um touro azul por sua própria sombra,
e arremetendo com bravura contra ninguém,
e sendo depois a pura sombra de si mesmo,
por si mesmo vencido. É o seu grande exercício.

Não precisa do destino fixo da terra,
ele que, ao mesmo tempo,
é o dançarino e a sua dança.
Tem um reino de metamorfose, para experiência:
seu corpo é o seu próprio jogo,
e sua eternidade lúdica
não apenas gratuita: mas perfeita.
Baralha seus altos contrastes:
cavalo, épico, anêmona suave,
entrega-se todos, despreza ritmo
jardins, estrelas, caudas, antenas, olhos, mas é desfolhado,
cego, nu, dono apenas de si,
da sua terminante grandeza despojada.
Não se esquece que é água, ao desdobrar suas visões:
água de todas as possibilidades,
mas sem fraqueza nenhuma.
E assim como água fala-me.
Atira-me búzios, como lembranças de sua voz,
e estrelas eriçadas, como convite ao meu destino.
Não me chama para que siga por cima dele,
nem por dentro de si:
mas para que me converta nele mesmo. É o seu máximo dom.
Não me quer arrastar como meus tios outrora,
nem lentamente conduzida.
como meus avós, de serenos olhos certeiros.
Aceita-me apenas convertida em sua natureza:
plástica, fluida, disponível,
igual a ele, em constante solilóquio,
sem exigências de princípio e fim,
desprendida de terra e céu.

E eu, que viera cautelosa,
por procurar gente passada,
suspeito que me enganei,
que há outras ordens, que não foram ouvidas;
que uma outra boca falava: não somente a de antigos mortos,
e o mar a que me mandam não é apenas este mar.
Não é apenas este mar que reboa nas minhas vidraças,
mas outro, que se parece com ele
como se parecem os vultos dos sonhos dormidos.
E entre água e estrela estudo a solidão.
E recordo minha herança de cordas e âncoras,
e encontro tudo sobre-humano.
E este mar visível levanta para mim
uma face espantosa.
E retrai-se, ao dizer-me o que preciso.
E é logo uma pequena concha fervilhante,
nódoa líquida e instável,
célula azul sumindo-se
no reino de um outro mar:
ah! do Mar Absoluto.

*            *            *

DRUMMOND - O quarto em desordem

Tela de Leonid Afremov
O quarto em desordem
Carlos Drummond de Andrade

Na curva perigosa dos cinquenta
derrapei neste amor. Que dor! que pétala
sensível e secreta me atormenta
e me provoca à síntese da flor
que não sabe com é feita: amor,
na quinta-essência da palavra, e mudo
de natural silêncio já não cabe
em tanto gesto de colher e amar
a nuvem que de ambígua se dilui
nesse objeto mais vago do que nuvem
e mais defeso, corpo! corpo, corpo,
verdade tão final, sede tão vária,
e esse cavalo solto pela cama,
a passear o peito de quem ama.

*            *            *