quinta-feira, 27 de março de 2014

DANIEL YN SILVA - Das coisas que me alegram

Da página "Homo Literatus" - 25 de fevereiro 2014

Das coisas que me alegram
Daniel Yn Silva

Cheiro de canela
Descobrir que um amigo, que há muito não se vê, está feliz
Ouvir uma música, que se amava, mas que já havia sido esquecida
Ver a cara risonha de Mandela
Perceber-se pleno debaixo de uma chuva torrencial

Convencer alguém a desistir de se suicidar

Limonada em dia quente de verão
Cheiro de livro novo
Ouvir aquela música da cena do tango do filme Perfume de Mulher
Chegar em casa e encontrar o amor da sua vida distraída

Ver um labrador dourado andando alegremente pela calçada
Ouvir Nessun Dorma, cantada por Luciano Pavarotti
Ouvir O Mio Babbino Caro, cantada por Maria Callas
Ver filmes caseiros, dos anos cinquenta, em que crianças aparecem pulando na piscina, e pais aparecem em conversações interessantíssimas
Perceber que as flores do vaso da mesa são de verdade

Ouvir uma criança dizer que irá acabar com a fome e as guerras do mundo
Perceber que os sonhos também mudam
Acordar de manhã achando que é segunda-feira, e descobrir que é sábado
O som da chuva depois de meses de estiagem
O som dos golfinhos em festa
Perceber que os pés do Davi, de Michelangelo, são perfeitos
Vinho tinto
Bolo de fubá
Um abraço apertado de agradecimento
Saber que alguém que você não conhece disse coisas ótimas sobre você

A cara tristonha de Chaplin
Pessoas fazendo as pazes
Ouvir Martin Luther King dizer, “I have dream”
Uma cama com lençóis novos
Ouvir Darcy Ribeiro falar do Brasil com esperança infinita
Pudim de leite com café


*        *        *

Texto de ZÉLIA DUNCAN

Da página "A louca da biblioteca" - facebook

Viva a Tristeza!
Zélia Duncan

Não, não vou falar mal da tristeza, não seria justo. Eu devo a ela minhas profundidades, minha imaginação, minha volta por cima. 

Graças a ela vislumbrei coisas importantes para mim. Músicas que várias pessoas conhecem. 
Cartas, textos, coisas que ninguém vai ler, mas que me serviram em algum momento.

Mergulhei no por do sol, uivei pra lua, encostei a cabeça na janela naquele dia de chuva e ouvi a música mais linda do mundo.

Num dia triste, me sentindo fora do planeta, fui ao cinema e vi "Blade Runner". 

Num dia soturno fui caminhar na praia e vi a onda mais azul, o céu mais infinito e o horizonte mais perfeito. 
Num dia triste li e reli Fernando Pessoa e não me senti só.

Num dia assim triste uma criança correu e abraçou as minhas pernas, cutucou minha esperança, me confundiu com alguém querido e me fez ligar para alguém que eu amava.


Num dia cinza eu me senti viva e quis virar lápis de cor.


Num dia oco eu procurei motivos novos e antigos pra me preencher de novo e foi até divertido.


Num dia assim-assim trouxe um cachorrinho pra casa, que virou meu maior menor companheiro.


Num dia tristíssimo procurei por você e sua voz me encheu de sorrisos o resto do dia.


No dia mais triste do mundo eu perdi um amigo. No dia seguinte, ainda triste, agradeci por ter tido um dia um amigo que me valesse tanto.


Num dia infinitamente triste eu cantei, minha voz era a voz da tristeza que percorria o meu corpo. E fiz um monte de gente feliz.


E também para que não percamos o poder de ação, precisamos olhar para a tristeza, precisamos nos indignar com ela, precisamos desejar a alegria genuinamente. 

Com essa mania de corrigir tudo no computador, acabamos facilitando nossa fragilidade diante de tudo. 
Ortografias, fotos, cores, sorrisos, a vida vai virando um show de Trumman de verdade!

Você ouve uma voz, mas não tem certeza se foi corrigida ou não, vê uma foto, mas não sabe se há silicone, injeções ou Photoshop, lê um texto e a autoria fica vagando pelos sites.


Um olhar positivo sobre a vida é sempre fundamental, mas neste mundo em que vivemos, ter como exigência o riso é quase uma falta de respeito... Ou de consciência. 

Sei lá, vejo as pessoas querendo morrer de rir, muitas só vão ao teatro só se for comédia, e isso me assusta um pouco. 

Se não entrarmos em contato com as consistências das coisas e suas eventuais tristezas, como podemos acreditar na alegria quando ela vem?





*        *        *

ZÉLIA DUNCAN, jornal "O Globo", em 17/08/2008

terça-feira, 25 de março de 2014

JACQUES PRÉVERT - Les feuilles mortes



Les feuilles mortes
Originalmente composto em francês, em 1945,  o poema de Jacques Prévert "Les feuilles mortes" é musicado pelo compositor franco-húngaro Joseph Kosma.

Em 1946, Yves Montand (com Irène Joachim) canta "Les feuilles mortes" no filme  "Les Portes de la Nuit" .

Tela de Leonid Afremov

Poema de Jacques Prévert

Oh! je voudrais tant que tu te souviennes 
Des jours heureux où nous étions amis 
En ce temps-là la vie était plus belle, 
Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui 
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle 
Tu vois, je n'ai pas oublié... 
Les feuilles mortes se ramassent à la pelle, 
Les souvenirs et les regrets aussi 
Et le vent du nord les emporte 
Dans la nuit froide de l'oubli. 
Tu vois, je n'ai pas oublié 
La chanson que tu me chantais. 

Refrain: 
C'est une chanson qui nous ressemble 
Toi, tu m'aimais et je t'aimais 
Et nous vivions tous deux ensemble 
Toi qui m'aimais, moi qui t'aimais 
Mais la vie sépare ceux qui s'aiment 
Tout doucement, sans faire de bruit 
Et la mer efface sur le sable 
Les pas des amants désunis. 

Les feuilles mortes se ramassent à la pelle, 
Les souvenirs et les regrets aussi 
Mais mon amour silencieux et fidèle 
Sourit toujours et remercie la vie 
Je t'aimais tant, tu étais si jolie, 
Comment veux-tu que je t'oublie? 
En ce temps-là, la vie était plus belle 
Et le soleil plus brûlant qu'aujourd'hui 
Tu étais ma plus douce amie 
Mais je n'ai que faire des regrets 
Et la chanson que tu chantais 
Toujours, toujours je l'entendrai!

*            *            *



domingo, 23 de março de 2014

Beleza em Arquitetura

Da página "Obvious" - JEFERSON CORRÊA - 20 março 2014


Todas as manhãs, esta mesquita é iluminada com todas as cores do arco-íris. Um momento sagrado onde fé e arte se encontram.
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Foto Marco Anonini

Geralmente quando alguém nos conta sobre arquitetura histórica, imaginamos belos arcos, torres elevadas, esculturas e paredes de pedra , mas a maioria de nós provavelmente não pensa em cores vivas e vibrantes. 
A mesquita de Nasir al- Molk é uma exceção marcante e forte à frente da ideia de que estruturas históricas poderiam ter falta de cores. Não são apenas os seus vitrais ricamente coloridos , mas suas paredes apresentam uma bela e vibrante coloração conjunta de azulejos geométricos pintados.

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Foto Abbas Arabzadeh
A construção da mesquita foi iniciada em 1876 e concluída em 1888, em Shiraz, Irã pela ordem de Mirza Hasan Ali Nasir al Molk , um senhor da dinastia Qajar.
Os vitrais capturam a luz da manhã e criam um jogo glorioso de luz no chão da mesquita, ganhando o nome de " Mesquita Rosa " e convidando fotógrafos para capturar sua beleza. 
Embora alguns dos azulejos que a decoram sejam de cor rosa, parece que a mesquita inclui quase todas as cores sob o sol.
nasir-al-mulk-mosque-shiraz-iran-8.jpg
Foto Amin Abedini
A mesquita possui muitos elementos da arquitetura islâmica tradicional como arcos Iwan e uma fonte central para as abluções, mas vitrais são relativamente raros. Apenas algumas outras mesquitas, como a Masjid al-Aqsa e a Mesquita Azul em Istambul apresentam janelas de vitrais. São belíssimas imagens de encher os olhos.

Apreciem sem moderação.

*            *            *

TEL MONT - Lua nova

Foto: LUA NOVA, lua clara 
no meio de tudo 
não me deixa mais em paz 
mal me deixa adormecer 
(absolutamente inocente, será?) 
flutua incessante enquanto vago 
à deriva por uma realidade imprecisa 
ora abrasa, ora enternece 
lua tão clara e inusitada 
sejamos audazes, raptemo-nos 
no meio de uma tarde alegre qualquer 
leve-me para o seu segredo 
enleve-me ao cair da noite
doce inquietação, ardente enleio. 
Só não me deixe mais em paz. (TELMONT)

Imagem: Óleo sobre tela de Michael Cheval.
Óleo sobre tela de Michael Cheval
(Tel Mont)

LUA NOVA, lua clara 
no meio de tudo 
não me deixa mais em paz 
mal me deixa adormecer 
(absolutamente inocente, será?) 
flutua incessante enquanto vago 
à deriva por uma realidade imprecisa 
ora abrasa, ora enternece 
lua tão clara e inusitada 
sejamos audazes, raptemo-nos 
no meio de uma tarde alegre qualquer 
leve-me para o seu segredo 
enleve-me ao cair da noite
doce inquietação, ardente enleio. 
Só não me deixe mais em paz. 

(TELMONT)

*        *        *

JOSÉ CASTELO - versos de Manuel Bandeira, fotos de Benoît

Retrato de Bandeira
José Castelo 
 "A literatura na poltrona"- Jornal "O Globo", 19 de março 2014 


Recebo um lindo livro, em edição de luxo, dedicado às relações do poeta Manuel Bandeira com a cidade do Rio de Janeiro. Chama-se "A cidade por Bandeira" (editora Batel). 
A edição e o projeto gráfico são de Gueko Hiller e as impressionantes fotografias assinadas pelo jovem fotógrafo francês Benoît Fournier (1981). 
O laço arbitrário, mas impactante, entre as fotos e os versos de Bandeira nos transmite a sensação de que o poeta usou o Rio de Janeiro como seu caderno de desenho. Que escreveu sua poesia diretamente nas paredes, ruas e calçadas da cidade, de tal modo elas se enlaçam e se completam. 

O que mais me impressiona no livro é a dissonância entre os versos e as fotografias, que ao fim nos oferecem um inesperado retrato do próprio Bandeira. 
Não há nenhuma intenção de "ilustração". As imagens não são um adorno, um complemento. 
Ao contrário, elas dialogam de igual para igual com o poeta, desviam suas palavras, retorcem-nas, lançando-as em outros caminhos. Com isso, é também a imagem do poeta que se redesenha.

Embora eu trabalhe apenas com palavras, sempre admirei a autonomia absoluta das imagens em relação a elas. Autonomia que não significa ausência de diálogo, ao contrário, significa possibilidade de diálogo verdadeiro. Soma, que nos leva a um terceiro lugar. 

"Não te doas de meu silêncio/ Estou cansado de todas as palavras", dizem versos do poeta, dialogando, por exemplo, com a fotografia de um surfista, de quem só se vê o dorso, em meio ao mar do Rio de Janeiro. 
Silêncio, solidão, autonomia, nomadismo foram coisas que o poeta prezou muito e com as quais trabalhou todo o tempo. 
Um poeta não trabalha só com palavras, mas com o silêncio. E o silêncio não é improdutivo. 
A vida de Bandeira nos mostra a importância do ócio _ de "perder tempo", em uma época em que todos querem "ganhar tempo" - na produção poética. 
Benoît consegue dialogar fortemente com essa ideia. 

Os lindos versos "Sonhei ter sonhado/ Que havia sonhado", outro exemplo, dialogam com uma estranha foto que flagra um grupo de pessoas - todas de costas - nas areias da cidade. O que fazem? Onde estão exatamente? O que observam? O que sonham? 
Grande poeta, Bandeira fez poesia para formular perguntas, para nos perturbar, para descerrar aspectos do mundo que não estamos acostumados a nele incluir. 
E, mais uma vez, Benoît soube segui-lo nesse caminho. Que não é um caminho fácil, ao contrário, é um caminho que exige uma alma livre e, mais ainda, um olhar liberto. De que? Dos clichês, dos padrões, das imagens viciadas que, infelizmente, poluem nossas paisagens urbanas e nosso tempo. 

Imagens fazem, também, perguntas às palavras. Deslocam seus significados. Arranham sua face. Interferem nas imagens (também imagens, embora "cegas") que as palavras produzem. 
A foto de um menino, no calçadão de Ipanema, olhando a ressaca marinha confere novos sentidos e novos caminhos para os célebres versos de Bandeira: "Andei onde deu o vento./ Onde foi meu pensamento". 
A imagem do garoto, hipnotizado pelo mar imenso, não só responde, de alguma forma, às palavras do poeta, como interfere nas dúvidas que ela carrega, emprestando-lhe um terceiro sentido. Imagem e palavra se complementam, mas também se desafiam e se fertilizam. 

No nosso mundo saturado por imagens tão banais, por luzes tão asfixiantes, por uma claridade que, em vez de nos fazer ver, nos ajuda a cegar, neste mundo as fotografias de Benoît Fournier se mostram ainda mais agudas e mais produtivas. 
Casadas aos versos esplêndidos de Manuel Bandeira, elas ajudam a traçar imagens divergentes, 
inesperadas, incomuns de um Rio de Janeiro que, na época do turismo de massa, todos acreditamos conhecer na palma da mão. Mas não conhecemos. 

Releia Bandeira e esse sentimento se tornará ainda mais perturbador. 


*            *            *

terça-feira, 18 de março de 2014

LEONARDO SAKAMOTO


Antes mesmo do sabiá anunciar o dia, ela já estava de pé, colocando ordem no mundo com lápis e papel.

Quando machucou a mão por conta de uma bobagem que ninguém explica, namorados deixaram de se abraçar, crianças não achavam mais graça em balões e até o doce de leite ficou amargo.

Então, de sua janela, tomou o lugar do passarinho e cantou para o dia bem nascer.

Ainda hoje, quando lembro da melodia, um calor gostoso toma conta de mim, como se cada músculo de meu corpo me desse bom dia.

*            *            *

Leonardo Sakamoto - facebook, 18 de março 2014


SHAKESPEARE - Soneto 18

Recebido da amiga Chrysley - facebook

William Shakespeare

» Sonnet 18

Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date;

Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd;
And every fair from fair sometime declines,
By chance or nature's changing course untrimm'd;

But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou ow'st;
Nor shall Death brag thou wander'st in his shade,

When in eternal lines to time thou grow'st:
So long as men can breathe or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.

**

~ Soneto 18 ~ (*)

Se te comparo a um dia de verão?
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.

Ás vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:

Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.

*            *            *
(*) Gosto dessa tradução.

segunda-feira, 17 de março de 2014

ANA VALESKA - (Caminhada)



"Fui caminhar na praia e a areia que o mar lambia estava toda rendada
Em meu quarto branco desenho com inédita disciplina
Das linhas úmidas do que vi, crio retratos
Uma ocupação diária que aos poucos revela minha cartografia íntima
Fio por fio, fio de ovos, fios de couro, cordões entretecidos de almas, 
fios de filhos, filhos cor de rosa, vestidos de casa da abelha, 
picolé de creme-holandês
Ponto de cruz, labirinto
Sou bordadeira de memórias."

*        *        *

ANA VALESKA - artista plástica cearense

domingo, 16 de março de 2014

WISLAWA SZYMBORSKA - Cem Pessoas


(Em cada cem pessoas)

Aquelas que sempre sabem mais:
cinquenta e duas.

Inseguras de cada passo:
quase todo o resto.

Prontas a ajudar,
desde que não demore muito:
quarenta e nove.

Sempre boas,
porque não podem ser de outra maneira:
quatro — bem, talvez cinco.

Capazes de admirar sem invejar:
dezoito.

Levadas ao erro
pela juventude (que passa):
sessenta, mais ou menos.

Aquelas com quem é bom não se meter:
quarenta e quatro.

Vivem com medo constante
de alguma coisa ou alguém:
setenta e sete.

Capazes de felicidade:
vinte e alguns, no máximo.

Inofensivos sozinhos,
selvagens em multidões:
mais da metade, por certo.

Cruéis,
quando forçados pelas circunstâncias:
é melhor não saber
nem aproximadamente.

Peritos em prever:
não muitos mais
que os peritos em adivinhar.

Tiram da vida nada além de coisas:
trinta
(mas eu gostaria de estar errada).

Dobradas de dor,
sem uma lanterna na escuridão:
oitenta e três,
mais cedo ou mais tarde.

Aqueles que são justos:
uns trinta e cinco.

Mas se for difícil de entender:
três.

Dignos de simpatia:
noventa e nove.

Mortais:
cem em cem –
um número que não tem variado.

*            *            *

JORGE LUÍS BORGES - A um gato

Da página "Homo Literatus"

A um gato
Jorge Luís Borges

Não são mais silenciosos os espelhos
nem mais furtiva a aurora aventureira;
tu és, sob a lua, essa pantera
que divisam ao longe nossos olhos.

Por obra indecifrável de um decreto
divino, buscamos-te inutilmente;
mais remoto que o Ganges e o poente,
é tua a solidão, teu o segredo.

O teu dorso condescende à morosa
carícia da minha mão. Sem um ruído
da eternidade que ora é olvido.
Aceitaste o amor desta mão receosa.

Em outro tempo estás. Tu és o dono
de um espaço cerrado como um sonho.

*            *            *

sábado, 15 de março de 2014

A escrita, pelos escritores

Da página "Homo Literatus"



Demoroso, langoroso, livro das trevas, assim James Joyce descreveu Finnegans Wake. 

Não é um livro, é um insulto sem fim, uma cusparada na face das artes, um pontapé em Deus, no Amor e na Beleza, disse Henry Miller sobre Trópico de Câncer. 

Toda a minha teoria em relação à escrita posso resumir em uma frase: um autor deveria escrever para a juventude de sua geração, para os críticos da próxima e para os professores de todo o sempre, explicou F.Scott Fitzgerald.

Ficção é a vida melhorada, definiu o velho Buk. 

Emma Bovary c’est moi, confessou Flaubert. 

A palavra é o meu domínio sobre o mundo, revelou Clarice Lispector. 

Estilo é a deficiência que faz um sujeito escrever sempre do mesmo jeito, avaliou Mario Quintana.

Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca ideias, brincou Pablo Neruda.

O livro é um mestre que fala mas que não responde, filosofou Platão. 

Não existem livros morais ou imorais. Os livros são bem ou mal escritos, ressaltou Oscar Wilde.

O livro é uma extensão da memória e da imaginação, deduziu Jorge Luis Borges. 

Não há nada para escrever. Tudo o que você precisa fazer é se sentar em frente de sua máquina de escrever e sangrar, brandou Ernest Hemingway.

Eu escrevo livros, por isso sei todo o mal que eles fazem, ressaltou Leon Tolstoi. 

O declínio da literatura indica o declínio de uma nação, lamentou Johann Wolfgang von Goethe.

Escrever é que é o verdadeiro prazer; ser lido é um prazer superficial, destacou Virginia Woolf.

Escrever é tomar decisões constantemente, afirmou Rubem Fonseca. 

Comecei a escrever para seduzir as mulheres. Elas estão sempre na origem de tudo, contou Adolfo Bioy Casares.

*            *            *

O passageiro e a perenidade - Marcos Gavazza

O passageiro e a perenidade
Marcos Gavazza – “Obvious” – janeiro 2012


Algumas coisas em nossas vidas surgem com a determinação de permanecer para sempre. Achamos nós. 
Mas um dia elas simplesmente se vão. 
Algumas outras entretanto, sequer existem concretamente porém tornam-se eternas. Não há como distingui-las e menos ainda como explicar essa dualidade. Resta-nos conviver com elas. 
Poetas, compositores, escritores e cronistas tentam desesperadamente fixar a permanência de certos sentimentos, em vão. O máximo que conseguimos é dar-lhes uma dimensão e apresentar essa equação a pacientes leitores. O que já é uma grande conquista.
  
Permitam-me, por favor, certas divagações. 
Já não creio em coincidências nem no amor como uma casualidade cósmica, algo que cai do céu como chuva de verão ou surpresa aguardando numa esquina da vida, qual música surgida na madrugada, sabe-se lá de onde.
Se já perdi a noção da hora resta-me a consciência da vida, de sua mecânica e de suas armadilhas. Sobra-me a certeza de que o amor é construído a cada gesto, a cada sorriso, a cada desejo adivinhado, a cada prazer ofertado. 
O sonho, o romantismo, a companheira premeditada, o ideal da presença suave, tudo isso serve exatamente para nos tornar mais íntimos da possibilidade de amar. 
Amar não é casual, acidental, imponderável como a previsão do tempo, as cartas de baralho e o humor dos geminianos.
Amar é querer e lutar por isso. O que de resto se aplica a tudo na vida, desde o trabalho até cuidar das plantas, desde a arte até a parceira de projetos.
Temos a permissão e a possibilidade de escolher na multidão uma pessoa na qual percebemos a possibilidade de seguir na mesma direção que nós. Isto pode ser verdadeiro ou não. 
É impossível saber-se ao certo que rumos cada pessoa poderá tomar quando o dia clarear. 
Mas se os caminhos forem paralelos, há espaço para o amor que poderá surgir então como resultado e não como interferência. 
"Então tá combinado, é quase nada, é tudo somente sexo e amizade. Mas e se o amor já está, há muito tempo que chegou e só nos enganou?" O compositor Peninha não hesitou em jogar sal na ferida.

Quando morava em Praia do Forte e trabalhava em Salvador – distante 85 km - quase todos os fins de tarde quando já me aproximava de Guarajuba ao retornar para casa, cruzava na estrada com um velhinho que pedalava sua bicicleta em sentido contrário. 
Ele era magro qual D. Quixote e sua bicicleta tão maltratada quanto o Rocinante. Mas estava sempre empertigado, bem arrumado em sua pobreza, invariavelmente trajando uma camisa de mangas longas.
Não sei a partir de quando nem porque, mas passamos a nos cumprimentar. Ele me fazia sempre um sinal de "positivo" e eu um aceno ou um sinal de luz com os faróis do carro. 
Na fração de segundos que a velocidade permitia, percebia em seu rosto um sorriso e em seus olhos a satisfação de ter feito um amigo de estrada.
Nada sabia nem fiquei sabendo sobre ele. De onde vinha, para onde ia, o que fazia ou terminara de fazer. Não fazia idéia do que era sua vida, se tinha mulher e filhos, se era só com sua bicicleta, se sonhava ainda ou se o cansaço do tempo lhe permitia apenas seguir pedalando. 
Também ele nada sabia sobre mim. Mas havia entre nós uma certa cumplicidade, aquela naturalidade dos que se identificaram.
O ir e vir diário, o encontro sempre à mesma hora e no mesmo espaço, a forma de cada um dirigir o que lhe cabia, nos sinalizava que éramos moldados em material semelhante. 
Sentia falta dele quando não o encontrava e ficava feliz quando já ao longe percebia sua figura esguia deslizando o acostamento. Ele me fazia sentir que estava chegando em casa e que não estava só.
Esta pessoa, tão incógnita e improvável, entretanto trazia evidentemente em si a possibilidade de uma identificação comigo e talvez percebesse em mim, o mesmo. 
Qualquer sentimento de amizade surgido a partir deste tipo de sintonia e desenvolvido conscientemente, permanecerá.
Às vezes, depois de sair da estrada e antes de chegar à vila, ia até o castelo de Garcia d'Ávila. Quase nunca saia do carro me contentando em olhá-lo de longe enquanto o sol saia de cena. Agradava-me saber que eles sempre estariam lá. 
Ficava pouco tempo por ali. Apenas o suficiente para rever alguns pensamentos, buscar um pouco de energia e dar o dia por encerrado.
Mas o que tem de comum o amor, o velhinho da estrada e as ruínas do castelo?
A perenidade inerente a tudo o que é construído conscientemente.

Não importa se o amor mudou de coração, o castelo não é mais habitado e o velhinho desaparecia no retrovisor todos os dias. Eles estarão presentes indefinidamente em sua força, que vem do fato de não serem casuais, mas erigidos, pouco importa a finalidade ou o tempo em que permanecerão tangíveis. São definitivos. 
Assim como o amor, quando resultado do querer amar. 
Acho que uma certa confusão entre paixão e amor acabou criando esta esperança pelo inesperado e provocando este desentendimento. 
Vinicius tentou fundir as duas coisas com suas famosa frase "que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure". 
Apesar da minha imensa admiração por Vinicius e pela própria frase, percebo aí uma forma do poeta de explicar a sua maneira de amar. Ele era assim. Arrebatado entretanto passageiro. Paixão, portanto. Mas sempre reverente aos seus envolvimentos. Amante, desta forma. E inesquecível.
 A palavra final sobre o assunto, entretanto, creio eu, é de Chico Buarque de Holanda: "amores serão sempre amáveis". 

Mais estranho ainda: o que tem tudo isso a ver com a comunicação interpessoal ou humana?
Aparentemente quase nada, mas em verdade, ela também é exatamente assim. 
Pode provocar paixões e lotar auditórios de pulsos acelerados, fazendo futuros amantes da arte de fazer com que as pessoas acompanhem seus pensamentos.

Ou pode entrar sem bater e mutar-se de ofício em dedicação à difícil missão de querer dizer tudo em 140 caracteres, um post num site de relacionamentos com meia dúzia de frases ou uma imagem, criando eternos súditos de um vago soberano chamado leitor.


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Marco Gavazza é Publicitário


Poetas

Da página "Onde nasce a poesia" - facebook




O mundo só precisa dos poetas
Maria Eduarda Novaes

Algo mais que se precise, 
Em qualquer aspecto, 
Além da divina Clarice Lispector?

De que serviria o calendário
E todos os dias da semana
Se no mundo não houvesse 
Mário Quintana?

Eu só hablo, 
Ele nem sequer me saluda
Quem mais lo haría todo 
Además de Pablo Neruda?

Se algum mal te acomete
Não encha a cara de chopp
Sente e vá ler um livro 
De Elizabeth Bishop

Ou dance feliz de sapatilha
Ou só rodopie até 
Que te desmanteles
Ou troque isso ou aquilo 
Por tão somente Cecília Meireles

Não te salves
Rasgue a carta de alforria
E vá curtir um longo exílio
Ao lado de Gonçalves Dias

E não será preciso um centavo
Nem um segundo de um tic-tac
Assim que voltares a viver
Na Pátria de Olavo Bilac

Acorde sem demora
Saia ao sol que te ilumina
E agradeça muito a Deus por
Cora Coralina

Ao meio dia, siga cantando
Para que mais longe se soa
A alegria em dose tripla
Do fingidor Fernando Pessoa

Quando a Aquarela
Atravessar a nuvem branca
Ali haverá de brotar
A grande Florbela Espanca

Assim, sobreviva ao susto
Do soar de tantos banjos
Na que fora a última quimera
Do hipocondríaco Augusto dos Anjos

Embarque no primeiro bonde
Para longe de toda Saudade
Desfrutando da ilustre companhia
De Carlos Drummond de Andrade 

Ponha nos fins, meios e inícios
Samba, Beleza, Amor a mais
Pois fundamental mesmo
É Vinicius de Moraes

E viva a metamorfose!
Entre no casulo, e brinque
Que só assim é que se pode
Ter o bigode
De Paulo Leminski 

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quinta-feira, 6 de março de 2014

GUIMARÃES ROSA - in "Obvious"

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Os provérbios de Guimarães
Raul Albuquerque - "Obvious", 28 fevereiro 2014

Conheci Guimarães Rosa cedo, mas só fui lê-lo tardiamente. Sim, eu me arrependo disso. O vestibular da Universidade de Pernambuco me obrigou a ler o compêndio "Primeiras Estórias", e desde então eu não sei mais falar de grandes escritores sem citar este incrível escritor mineiro.

Alguns escritores nos encantam por quanto se mostram altos e distantes e inacessíveis, outros nos levam ao céu por se mostrarem próximos amigos. 
Guimarães certamente está no último grupo. Sua escrita quase falada, sua linguagem que parece improvisada, mas guarda a mais sofisticada elaboração de ideias.

A genialidade de Guimarães Rosa revela-se exatamente nessa aparente simplicidade que esconde uma rica complexidade e uma trança de longas e variadas ideias acerca da língua, das palavras e das filosofias. E esse manto de desleixo reveste também os provérbios que Guimarães pinga em seus contos, e especialmente Grande Sertão: Veredas.


guimaraesrosa.jpg

Os aforismos que estão presentes na obra roseana guardam conjecturas mil, selecionei apenas três provérbios de poesia indiscutível para comentar:

1. "Amor? Um pássaro que põe ovos de ferro."

Essas palavras me pegaram desprevenido quando lia Grande Sertão. Parei a leitura e comecei a tentar entender o que é que nos queria dizer com aquilo. 
O narrador parece querer dizer que o Amor - essa figura mítica que atravessa os milênios sem ninguém que a viole ou a descubra - seria uma ave, de onde se compreende que o amor seria belo, seria leve, seria livre, que não seria preso ao chão. Apostando na fluidez do amor.

Mas Guimarães surpreende ao dizer que esse pássaro põe ovos de ferro, ou seja, não é uma ave comum nem totalmente fluida, mas o amor teria frutos que permanecem, igualmente seus ovos não são banais, não são postos com facilidade, mas permanecem. 
Porquanto o amor é, sim, leve e livre, mas seus frutos são pesados e duradouros.

"Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor." (1 Coríntios 13:13)


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2. "Viver é negócio muito perigoso"

A ideia desse aforismo é repetida inúmeras vezes durante o livro Grande Sertão: Veredas. 
O narrador sempre vai relembrando ao longo do romance.  
"Viver é muito perigoso... Porque aprender a viver é que é o viver mesmo... Travessia perigosa, mas é a da vida." 
Parece que a história da vida de Riobaldo serve como prova de que viver é realmente perigoso, viver é estar em constante risco, como um caminho à beira do precipício. 
O erro e a morte nos acompanham durante toda a vida.

"A história é tão leve quanto a vida do indivíduo, insustentavelmente leve, leve como uma pluma, como uma poeira que voa como uma coisa que vai desaparecer amanhã" (Milan Kundera, em A insustentável leveza do ser)


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3. "Todo abismo é navegável a barquinhos de papel"

Esse provérbio de ironia patente é do conto "Desenredo". 
Guimarães parece querer brincar com nossa imaginação. 
O abismo seria uma imagem para representar os problemas enormes e aparentemente intransponíveis da vida e dos relacionamentos. O barquinho de papel seria a imagem da inocência, da fragilidade e da infância. 
Ele propõe que todos os problemas podem ser resolvidos ou superados - ou até tolerados - com uma postura mais inocente quanto à vida.

"Em verdade vos digo que, qualquer que não receber o reino de Deus como menino, não entrará nele." (Evangelho segundo Lucas 18:17)
*            *            *

Agora, eu:  (Originalmente escrito em setembro de 1981) - Faculdade

Lembro-me de que nossa primeira aula sobre J.Guimarães Rosa alertava-me para a dificuldade de leitura deste autor.
"Considerado pela crítica um autor difícil". Eu não conhecia nada dele! O adjetivo "difícil" foi o impulso. Disciplinadamente (fugindo ao habitual em mim - sou um pouco rebelde e às vezes preguiçosa), propus-me o esquema ordenado da leitura de "Rosa do sertão profundo".  
Comecei com "Sagarana", obedecendo à ordem sugerida: primeiro o conto "São Marcos", depois "O burrinho pedrês", em seguida "A hora e a vez de Augusto Matraga". Recentemente, "Grande Sertão:Veredas", que agradeço.

Certo, um autor difícil, porque difícil é aceitar em nós mesmos as oposições em que os contrários se confundem. Difícil é segurar o momento, pois nossa realidade existencial é mutável, é um vir a ser, processo em curso (crescimento e decadência), metamorfose.
Presente como resultado do passado. Viagem de Riobaldo por seu passado; travessia difícil, escura, tortuosa e que, ao fim - será que chegou mesmo ao fim? - defronta-se "nonada" do dia a dia.

Difícil, tenho que concordar. Linguagem nova, própria, característica de quem se habituou a monólogos. Pareceu-me o livro um grande monólogo. O interlocutor paradoxalmente não se manifesta. E os contrastes, as dúvidas: "Diadorim...cujos olhos têm o verde brilhante das folhas do buriti", mas que é também "a calamidade do quente, com o esbraseado, o estufo, a dor, sem nem ao menos sinal de sombra, sem água, sem capim, com o pesadelo mesmo de delírio".  Um romance todo sensorial.

O desassossego do mundo: "todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons" ; a loucura de todos - "todo mundo é louco - o senhor, eu, nós, as pessoas todas."    E a religião como saída - uma religião misto de todas:  "Eu cá não perco ocasião de religião - bebo água de todo rio. Uma só, para mim talvez é pouca, talvez não chegue."

Há sempre a volta do bem e do mal, transfigurados pelas emoções. 
Riobaldo revive o passado, quer saber como o bem e o mal podem coexistir.  Mas suas dúvidas permanecem. Continua sem saber se o diabo existe ou não, e se realmente pactuou com ele.

Por que encontrou Diadorim se nada podia ser realizado?  Que estranha razão para conviver com jagunços, justo quem simbolizava o amor e a beleza?
Diadorim é a lembrança que o impede de raciocinar - "uma neblina" dentro de si mesmo.

O que impressiona, também, é a lucidez da personagem em relação ao que conta. "Sei que estou contando errado, pelos altos. Desemendo. Mas não é por disfarçar, não pense" (p. 77). E ainda: "Desculpa me dê o senhor, sei que estou falando demais dos lados. Resvalo. Assim é que a velhice faz".  "Contar é muito, muito dificultoso."

A figura de Zé Bebelo... Coisa mais bonita e verdadeira. 
A admiração que um espírito sonhador (Riobaldo) sente por alguém que tem os pés na terra, alguém de ideias práticas, reais. E afinal, para onde vão os sonhos: bater com toda força na realidade de pés de chumbo.
Todo o livro é uma chamada para a vida, para a linguagem da beleza, para a meditação mesma na palavra viver. 
A gente está sempre "nonada" tentando construir a liberdade, será?
"Mas viver é negócio muito perigoso".
"O diabo vige dentro do homem..."

(Sueli)
*            *            *

quarta-feira, 5 de março de 2014

M.BANDEIRA - Poema de uma quarta feira...

Poema de uma quarta feira de cinzas 
Manuel Bandeira

Entre a turba grosseira e fútil
um pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
feita de sonho e de desgraça…

 O seu delírio manso agrupa
atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro apupa…
indiferente a tais ataques,

nublada a vista em pranto inútil,
dolorosamente ele passa.
Veste-o uma túnica inconsútil,
feita de sonho e de desgraça…

*            *            *

terça-feira, 4 de março de 2014

MANUEL BANDEIRA - Mascarada

Mascarada
Manuel Bandeira

Você me conhece?
(Frase dos mascarados de antigamente)

- Não conheço não.

- Ah como fui bela!
Tive grandes olhos,
que a paixão dos homens
(estranha paixão!)
fazia maiores,
fazia infinitos...

Diz: não me conheces?
- Não conheço não.

- Se eu falava, um mundo
irreal se abria
à tua visão!

Tu não me escutavas:
perdido ficavas
na noite sem fundo
do que eu te dizia...
Era a minha fala
canto e persuasão...

Pois não me conheces?
- Não conheço não.

- Choraste em meus braços...
- Não me lembro não.

- Por mim quantas vezes
o sono perdeste
e ciúmes atrozes
te despedaçaram!
Por mim quantas vezes
quase tu mataste,
quase te mataste,
quase te mataram!
Agora me fitas
e não me conheces?...

- Não conheço não.

Conheço é que a vida
é sonho, ilusão.
Conheço é que a vida,
a vida é traição.

*            *            *
In: "Carnaval"


TEL MONT - O tempo e o olhar

Foto: O TEMPO E O OLHAR

Ah, vermelho é covardia... E essa luz no olhar também. E dessas horas que significam nada além, mas tão secretamente inebriantes são, ninguém precisa saber, só esse encanto clandestino. A chuva depois da vidraça, eu quero que ela persista, cúmplice, e pese sobre os ponteiros do seu relógio para que eles mal tenham forças para girar e engolir o tempo.

Chove depois da vidraça e seus olhos clareiam o meu bosque e me reacendem a vontade de me enroscar com a vida e mordê-la e abraçá-la e encarar seus jogos e desafios e atrações.

Não pare, chuva, não pare, porque está tão amorosamente cálido aqui dentro enfim. Mar e céu seu olhar, nem ansiava, mas quando vi já submergia, coração deu sinal que não antessenti, não almejava, mas quando vi, raposa esperando le petit prince. 

Agora as horas são outras, não mais chove, um silêncio absurdo, ou quase, não fosse o ventilador sobre a mesa... No meu bosque da canção de roda tremeluzem vagalumes azuis - seus olhos multiplicados, no meu peito sua figura ainda um esboço tênue, mas saboreio já uma suavidade de brisa, e assim vou deslizando sobre a superfície da noite adentro.  (TEL MONT)

Imagem: Foto de Yume Cyan.
Imagem: Foto de Yume Cyan.

O TEMPO E O OLHAR

Ah, vermelho é covardia... E essa luz no olhar também. E dessas horas que significam nada além, mas tão secretamente inebriantes são, ninguém precisa saber, só esse encanto clandestino. A chuva depois da vidraça, eu quero que ela persista, cúmplice, e pese sobre os ponteiros do seu relógio para que eles mal tenham forças para girar e engolir o tempo.

Chove depois da vidraça e seus olhos clareiam o meu bosque e me reacendem a vontade de me enroscar com a vida e mordê-la e abraçá-la e encarar seus jogos e desafios e atrações.

Não pare, chuva, não pare, porque está tão amorosamente cálido aqui dentro enfim. Mar e céu seu olhar, nem ansiava, mas quando vi já submergia, coração deu sinal que não antessenti, não almejava, mas quando vi, raposa esperando le petit prince. 

Agora as horas são outras, não mais chove, um silêncio absurdo, ou quase, não fosse o ventilador sobre a mesa... No meu bosque da canção de roda tremeluzem vagalumes azuis - seus olhos multiplicados, no meu peito sua figura ainda um esboço tênue, mas saboreio já uma suavidade de brisa, e assim vou deslizando sobre a superfície da noite adentro. 

(TEL MONT)  - in"A louca da biblioteca", 2014


*            *            *