segunda-feira, 30 de junho de 2014

ANDRÉ J. GOMES - Oração de boas vindas...


Oração de boas vindas a uma criança que chega
André J. Gomes - "Revista Bula", junho 2014

Vem, pequeno artista, vem pintar o sete deste lado de cá.
Vem que o rumo certinho das coisas carece de desarranjo. 
Vem mudar os prazos, acelerar o ritmo, parar o tempo. 
Vem que a vida é agora, e é hora de viver entre nós.

Vem encher a casa de visitas e presentes e conversas em voz baixinha para não lhe atrapalhar o sono. 
Vem lembrar o que de fato importa, que na vida somos todos visitantes afoitos. 
Vem acordar o mundo em meio à noite e despertar a ternura que resta lá fora. 
Vem chorar aos berros com a força da vida mesma, vem que precisamos reaprender a conquista de um silêncio bom. 
Vem e ocupa seu lugar na vida, que é a vida inteira.

Vem condensar nossas esperanças honestas em suspiros mansos de satisfação e alegria! Vem que há tantos sonhos à espera do seu sono. Vem sorrir das expectativas alheias, vai ser poeta, publicitário, goleiro, atacante, Atlético, Anápolis, ator, astronauta, ginasta olímpico, doutor, direita, esquerda, vai ser isso e aquilo. Vem gargalhar disso tudo.

Vem, gracioso Erê, irmana as religiões todas, amanhece a nossa gratidão, borrifa descarado na vizinhança o perfume dos anjos, e assina com os calcanhares rosados a sua certidão de fiel beneficiário de todo o amor que lhe cabe.
Vem, criança abençoada de saúde e festa, atrair os olhos de quem passa. 
Vem aprender a caminhar, um pé depois do outro, e a cair e a levantar. 
Aproveita e nos ensina também um pouco disso, que vira e mexe nós esquecemos.

Vem sujeito a chuvas e trovoadas. 
Vem sorrindo à vida. 
Vem conhecer a luz desse mundo sob a forma do amor luminoso de seus pais.

Vem ganhar e vem perder e ganhar de novo. 
Vem crescer a olhos vistos, tomar posse de tudo, como do amor que aguardava ansioso por nascer. O amor que começa e termina em você. 
Vem, menino, fazer das suas. 
Vem com a vida em todo o seu maravilhoso milagre.

E vem, sobretudo, porque o mundo anda precisando olhar mais para o alto. Porque é em você que moram o sol e a lua e as estrelas e o arco-íris e as nuvens, as nuvens que ora chovem pragmáticas, ora existem para nada senão para acarinhar os olhos de imaginação da gente.

Vem, pequenino homem, provar que antes, muito antes de estar aqui, você já vivia no coração dos seus.

E que Deus o abençoe sempre.

Amém.

*        *        *

quinta-feira, 26 de junho de 2014

BRUNA CARAM - Caminho pro interior


Caminho pro Interior
Otávio Toledo e J. C. Costa Netto

A manhã nasceu lá fora
O meu tempo é mesmo agora
Já vesti a roupa colorida
Na cabeça vem aquele verso
Sobre o meu novo universo
A canção que é minha preferida
Nesse rio sei andar na beira
Desvario é essa cachoeira
Trilha subindo a mata
A vista que me arrebata

Essa estrada me chamou
Eu vou
Caminho pro interior

Quaresmeira se encheu de flores
Já calcei o velho tênis
Não tirei nosso botton da mochila
Ter de novo sua mão na minha
A razão por que andou sozinha
Nem sei mais, um sentimento não vacila
Escutei sua voz no vento
Coração salta no meu peito
Estou de alma lavada
Não chove mais na minha estrada
Seu olhar já me chamou
Eu vou
Caminho pro interior
Seu olhar já me chamou
Eu vou
Caminho pro interior

*        *        *

DRUMMOND - Pão de Açúcar


PÃO DE AÇÚCAR
Carlos Drummond de Andrade

O grande pão de mel 
suspenso entre mar e céu
insinua os prazeres da cidade.
A boca, o paladar,
a trama dos sentidos
serpenteia lá embaixo. 
O sol nascente
 e o sol cadente 
vestem de púrpura a forma rígida. 
Nuvens ciganas
brincam de subtraí-la.
A cada hora, desintegra-se, 
recompõe-se,
assume formas inéditas de transparência.
Tem as cores da vida
 e o sigilo da sombra.
É montanha ou aparição crepuscular.

*        *        *

In: 'Poesia errante'

terça-feira, 24 de junho de 2014

ANDRÉ J. GOMES - Elogio das pessoas imperfeitas...

Elogio das pessoas imperfeitas deste mundo
André J. Gomes - "Revista Bula",  23 de junho 2014

Acontece em todas as festas. 

Depois dos risos, dos perfumes recendendo, das chegadas pirotécnicas, dos abraços e dos beijos em boa dose, depois das fotografias e de todo o protocolo festivo, chega o instante estranho em que o volume da música diminui, os convivas populares desaparecem e ali permanecemos apenas nós, as pessoas imperfeitas deste mundo.

Agora somos nós e nossos defeitos. 

Nós e nossas faltas imperdoáveis, nossas incoerências, nossa incapacidade de adaptação, nossa incompetência para a perfeição que outros fazem parecer tão fácil. 
Nós e nosso talento para perder o trem. 
Aqui restamos nós e nossa companhia solitária. 
Nós e nossas misteriosas disposições pessoais para o erro. 
Nós, as pessoas imperfeitas deste mundo.

Em nossa imperfeição de quem sobra, é como se tivéssemos os cotovelos invertidos, iguais aos habitantes daquela antiga tribo imaginária narrada por um poeta, cujos cotovelos ficam do lado de dentro dos braços. 

Assim, incapazes de levar as mãos à própria boca, aprendemos a nos alimentar uns aos outros. 
Por isso somos os últimos a deixar a festa. 
Porque esbanjamos tempo uns com os outros. 
Nós, as pessoas imperfeitas deste mundo.

É, somos nós essa gente suspeita que caminha pelas ruas à noite, alimentando com a luz que vem das casas a nossa alma anoitecida. 

Nós que, reunidos ao final da festa, nos completamos na solidão silenciosa de mil canções tocando em sequência aqui dentro. 
Afinal, também sabem viver em grupo as pessoas imperfeitas deste mundo.
E quando a vida nos reserva uma comida boa, saborosa, caseira, tão caseira que é possível ouvir a voz da avó gritando ao fundo: “vem comer, cambada!”, é nas outras pessoas imperfeitas deste mundo que nós pensamos.

Nós, essa espécie que sempre avista o amor com assombro, que estremece e foge quando se sente ameaçada e que por isso é julgada covarde, cafajeste, bandida, egoísta, malandra. 

Nós, acusados ainda de autopiedade, aqui e ali escapulimos dos implacáveis bastiões da perfeição, tão dedicados a criar problemas desnecessários, tão empenhados em nos criticar com afinco, apontar nossos erros imperdoáveis, nos sentenciando e condenando ao fogo do inferno e à solidão do asilo. 
Quem sabe, assim, aprendemos com sua irretocável perfeição.

A nós, resta assistir a tudo calados. O que mais fazer? 

Somos só as pessoas imperfeitas deste mundo. 
E o mundo foi tomado pela casta grandiosa de super-heróis atacando os defeitos alheios para adiar eternamente o momento de olhar suas próprias desgraças.

Nossos silêncios transbordam, nossas querências borbulham, mas não pronunciamos palavra em defesa direta que os desminta. 

Para quê? Seremos sempre, sempre as pessoas imperfeitas deste mundo.

*          *          *
Notinha: Fiquei pensando no 'Poema em linha reta' de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

segunda-feira, 23 de junho de 2014

ASTRID CABRAL - três poemas

Três poemas de 'Infância em franjas':


CASEMIRO, CASEMIRO

Ai que não tenho saudades
da infância bem lá pra trás!

Que raivas choros temores
junto a adulto senhores.

E as tarefas rotineiras
que não acabavam mais?
à sombra de rijas regras
e urubus nos beirais!

Ai vontade de crescer
ouvir conversas inteiras
tossir e espirrar na igreja
e sem melindres dizer
indesejáveis verdades!

Enfrentar a lei dos grandes
e encarar o fogo do inferno
como conversa de espertos.
**
CONSTANTE REBELDIA

Minha mãe? A idealista
domadora do caos.

Serva da beleza visível
paladina da perfeição
na insana luta cotidiana
contra lençóis amassados
sapatos desengraxados
laços desengonçados
e a obscena deselegância 
de minhas pernas abertas
de minha gula sem regra
de meus hábitos malucos
de meus estudos noturnos.

Eu, a desatenta filha
pobre cabeça virada
para o mundo do invisível.

Ah! Indomável menina
desobediente mesmo
sem malévolo intento.

A constante rebeldia
diante de normas e leis.

Eu, cega a hierarquias
e à censura alheia.

Eu sempre de costas a
bom tom e boas maneiras.

Eu amante da liberdade
irmã de todos os pássaros.
** 
NA CHUVA

Nunca entendi
os guarda-chuvas.

Sombrinhas, sim
abrigavam do sol.

Se o chuveiro do céu
se abria, queria banho.

Corria atrás de maiô
sabonete e pente.

Ávida penetrava
as frias cortinas d'água
rio em pé peneirando.

Fechava as pálpebras:
estrelas aterrissassem
faiscando em minha face.

Até que a voz antipática
me gritasse a ordem: 
Já já pra dentro de casa.

*        *        *

'Infância em franjas', de ASTRID CABRAL

Da página 'Obvious'
'Infância em franjas' : Livro para nos curar de ser gente grande
Mônica Montone

Em seu décimo sétimo livro, Infância em franjas, a poetisa Astrid Cabral celebra o tempo em que todas as coisas são possíveis: a infância. Não se trata de um livro memorialista. Seus poemas falam da criança adormecida que existe em cada um de nós.


Tela de V. Volegov

Tem dias em que a gente acorda duro para a poesia. A poesia dos livros, dos bichos, dos bicos serrados que alimentam distâncias.
É preciso acordar um pouco criança para ler poesia com olhos de ver. 
Acreditar que as estrelas fazem ciranda mesmo quando nos sentimos um zé-ninguém.

É preciso não precisar de nada, não esperar alguém - nem notícia, novidade ou carta - para ler poesia bem. Porque a poesia nos traz, quase sempre, o que não estamos procurando. 
E procurar é arte que só gente grande faz - os pequenos não procuram nada, sabem que mamãe vai achar e se não achar é porque foi parar no mundo dos brinquedos sumidos e pronto.

É preciso estar vazio de um bocado de preocupação para ler poesia. Deve ser por isso que as "gentes grandes" lêem tão pouca poesia.

As "gentes grandes" quase nunca estão vazias de preocupação.

Desde o lançamento de 'Infância em franjas' que venho carregando o livro de Astrid Cabral na bolsa, mas somente essa semana, quando me senti mais trêmula que maria-mole, mais dissolúvel que gelatina e leite em pó, e, mais vazia que um saco de pipoca amassado é que fui ter com seus poemas.

E não é que a criança de Astrid encontrou a minha!? 
Seu novo livro funcionou como uma compressa sobre minhas dores de gente grande (que não sou)
Aplacou, ainda que por alguns instantes, minha pressa.

Perceber que também eu tive (tenho) crenças caducas me fez lembrar o que havia esquecido: a infância é um estado de espírito.


Uma cratera tão funda
furando o chão norte a sul

Estrelas a me piscarem
de lá do altíssimo azul

Plantas e bichos falando
língua que eu entenderia

Caravelas me levando
a terras fora do mapa

Gente grande generosa
que tudo me ensinaria

Meu anjo da guarda que
seu rosto me mostraria

Astrid Cabral nasceu em Manaus, mas vive no Rio de Janeiro. 
É poetisa, contista e professora universitária. 
Foi casada com o poeta Afonso Felix de Sousa e tem mais de 17 livros publicados. 
Em 2004 recebeu o Prêmio Nacional de Poesia da Academia Brasileira de Letras, pelo livro Rasos d`água.

'Infância em franjas' é um livro charmoso, quase artesanal, editado pela editora KD. 
Uma celebração ao tempo em que todas as coisas eram possíveis, que conta com uma pequena tiragem de apenas 300 exemplares e ilustrações de Mariana Felix.

Leitura para amolecer dias e corações duros.

*        *        *

domingo, 22 de junho de 2014

FLORESTA NA BÉLGICA

Da página "Nômades Digitais"

Parece tirada de conto de fadas e tem uma beleza quase mágica. 
Na Bélgica, mais precisamente em Hallerbos, existe uma floresta coberta de flores que misturam o azul e o violeta, formando como que um tapete natural ao qual é difícil resistir.

Durante a primavera, as flores atraem visitantes de todo o mundo, além de fotógrafos ávidos por um bom clique. 
As condições atmosféricas na região, que incluem muitas vezes uma forte neblina, tornam o lugar ainda mais misterioso, com qualquer coisa de fantasmagórico. 
As densas camadas de flores são um indicador de que a floresta é bastante antiga e que tem permanecido arborizada durante séculos.

No final, o que importa reter é: Hallerbos e sua floresta é mais um dos lugares do mundo capazes de nos surpreender e de nos transportar para uma atmosfera diferente daquela a que estamos acostumados.

Confira tudo isso nas fotos abaixo:


Foto Ramon Stijnen



Foto Kilian Schönberger



Foto Guy Lambrechts



Foto Walter Spoor


Foto |Matthias Locker

*        *         *

sábado, 21 de junho de 2014

MACHADO DE ASSIS - Manhã de Inverno

Manhã de Inverno
Machado de Assis

Coroada de névoas, surge a aurora 
Por detrás das montanhas do oriente; 
Vê-se um resto de sono e de preguiça, 
Nos olhos da fantástica indolente. 

Névoas enchem de um lado e de outro os morros 
Tristes como sinceras sepulturas, 
Essas que têm por simples ornamento 
Puras capelas, lágrimas mais puras. 

A custo rompe o sol; a custo invade 
O espaço todo branco; e a luz brilhante 
Fulge através do espesso nevoeiro, 
Como através de um véu fulge o diamante. 

Vento frio, mas brando, agita as folhas 
Das laranjeiras úmidas da chuva; 
Erma de flores, curva a planta o colo, 
E o chão recebe o pranto da viúva. 

Gelo não cobre o dorso das montanhas, 
Nem enche as folhas trêmulas a neve; 
Galhardo moço, o inverno deste clima 
Na verde palma a sua história escreve. 

Pouco a pouco, dissipam-se no espaço 
As névoas da manhã; já pelos montes 
Vão subindo as que encheram todo o vale; 
Já se vão descobrindo os horizontes. 

Sobe de todo o pano; eis aparece 
Da natureza o esplêndido cenário; 
Tudo ali preparou co’os sábios olhos 
A suprema ciência do empresário. 

Canta a orquestra dos pássaros no mato 
A sinfonia alpestre, — a voz serena 
Acordo os ecos tímidos do vale; 
E a divina comédia invade a cena.

*        *        * 

Do livro:  'Falenas'

ANDRÉ J.GOMES - Conversa à toa...

Tela de Leonid Afremov
Conversa à toa sobre o começo, o meio e o fim do amor
André J.Gomes

É certo que o amor começa quase sempre pelo mesmo mecanismo perfeito, preciso, inexplicável que organiza o reencontro inesperado de dois velhos conhecidos numa cidade com seis milhões de habitantes. Do nada.
Nasce com a impertinência de uma espinha no rosto da debutante, da noiva ansiosa, da madrinha solteira.
No descabimento de um espirro durante o orgasmo, o amor também dá o ar de sua graça.
Surge como visita inesperada, resfriado, bolada na praia, multa de trânsito, mamangava, maria-fedida, vagalume, conjuntivite, cabelo branco em adolescente, flor no asfalto, passarinho em escritório.

Sem aviso, o amor rompe a membrana tênue que separa as coisas elevadas, impossíveis, da vida corriqueira e seus acontecimentos rasteiros.
Dá as caras à toa, sem mais, como alguém que vai ao mercado, o despertador que não toca, a moça que acorda com raiva, o pobre que acerta na loteria, o tombo da patinadora.
Porque o amor pertence à insuspeitada categoria das coisas imprevisíveis.
O amor vive no terreno do imponderável. É ali que ele respira, ali ele espera, invisível, seu tempo fortuito e incalculável de vir a ser.

Ah… o amor que adora despertar no desencontro absoluto e na coincidência escandalosa dos números inacreditáveis, na história improvável da moça que passa sete anos sozinha e, dois meses depois de engatar um namoro assim-assim, encontra um moço que viveu os mesmos sete anos casado e há dois meses — os mesmos e inacreditáveis dois meses — encerrou mais uma entre tantas tentativas de amar e ser amado.
É, o amor também principia em desarranjo e escárnio divino.

Então, uma vez iniciado, o amor vive sua maior peleja: o meio.
Porque difícil não é o começo e nem o fim do amor.
É o meio, o que existe entre um e outro lado da história, entre a capa e a contracapa, a frente e o verso.
O morno que um dia foi água pelando e no outro será gelo e indiferença.
A segunda, terça, quarta e quinta feiras de todo amor.

Quando chega ao meio é que o amor se põe à prova.
E só sobrevive a esse terreno esburacado e enganoso o amor dos amantes operários.
O amor trabalhador. Porque é de subidas dolorosas, descidas traiçoeiras e retas sonolentas que se compõe esse meio-caminho.

Quem aprende a ficar e se manter de pé, a cair e levantar nesse território impreciso vive o amor em sua face mais primorosa.
O amor parceiro de quem se sabe disposto a caminhar rumo ao inferno para estar ao lado do outro, ou na frente, ou atrás. Porque só quem sobrevive às trevas há de entrar no paraíso.

No meio do amor, é preciso perder o medo de se arrebentar inteiro no campo minado do dia a dia.
Ali, os casais caminham com cuidado para não pisar em nenhuma mina, ora sabendo, ora não, que se um o fizer os dois serão atingidos na explosão, tão perto estão um do outro.

A quem supera essa fase é reservado um regalo sublime, bônus do exercício maravilhoso de amar: as lembranças.
Vagas e adocicadas lembranças de longas conversas tarde da noite, ouvindo a cidade dormir lá fora.
As memórias de viagens e festas, sábados de cinema, domingos de churrasco, segundas a sextas de trabalho, planos e sonhos.
As reminiscências, tão sublimes quanto os instantes que as originaram.
Afinal, seja qual for o tamanho do meio, um dia o amor chega ao fim.
Nesse dia, a decência dos amantes é medida pelo tamanho de seu desprendimento e de sua capacidade de engolir o pranto e dizer “adeus, seja feliz”.
Porque só merece as dores e as delícias do amor aquele que um dia saiba deixar o outro ir em frente. E que aprenda a estar só novamente e a guardar a dor consigo até a dor passar, como as antigas personagens de desenho animado que engolem bananas de dinamite acesas.

No amor, que também ama a lógica, depois do começo e do meio vem o fim.
Tempo em que ele se arrasta entre migalhas, restos e sobras.
Como o guaraná que perde o gás, a cerveja que esquenta, a goiaba que passa do tempo e deixa a casa inteira com cheiro de quintal, é certo que o amor também acaba como começou. Do nada.
Em nada, como uma estranha sombra pálida e triste, sinal agudo de que seu tempo já foi e de que é hora de seguir em frente para, tomara Deus seja logo, começar tudo de novo e de novo outra vez.


*            *            *

quinta-feira, 19 de junho de 2014

PARABÉNS, CHICO BUARQUE!

Retrato em Branco e Preto
Chico Buarque - Tom Jobim

Já conheço os passos dessa estrada
Sei que não vai dar em nada
Seus segredos sei de cor
Já conheço as pedras do caminho,
E sei também que ali sozinho,
Eu vou ficar tanto pior
E o que é que eu posso contra o encanto,
Desse amor que eu nego tanto
Evito tanto e que, no entanto,
Volta sempre a enfeitiçar
Com seus mesmos tristes, velhos fatos,
Que num álbum de retratos
Eu teimo em colecionar

Lá vou eu de novo como um tolo,
Procurar o desconsolo,
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras,
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado,
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado e você sabe a razão
Vou colecionar mais um soneto,
Outro retrato em branco e preto
A maltratar meu coração


*            *            *


Todo o Sentimento
Chico Buarque - Cristóvão Bastos

Preciso não dormir
Até se consumar
O tempo da gente.
Preciso conduzir
Um tempo de te amar,
Te amando devagar e urgentemente.

Pretendo descobrir
No último momento
Um tempo que refaz o que desfez,
Que recolhe todo sentimento
E bota no corpo uma outra vez.

Prometo te querer
Até o amor cair
Doente, doente...
Prefiro, então, partir
A tempo de poder
A gente se desvencilhar da gente.

Depois de te perder,
Te encontro, com certeza,
Talvez num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada;
Nada aconteceu.
Apenas seguirei
Como encantado ao lado teu.

*            *            *

terça-feira, 17 de junho de 2014

BASTOS TIGRE - Eterna Incógnita

Eterna Incógnita
Manuel Bastos Tigre 
(Recife, 12 de março de 1882 — Rio de Janeiro, 1 de agosto de 1957) 

Não sei quem sou nem sei por que motivo
Vim ao mundo e o que nele vim fazer.
Sei que penso e, portanto, sei que vivo,
Neste anseio instintivo de viver.

Porque procedo do homem primitivo,
Há rugidos de fera no meu ser.
Bom e mau, triste e alegre, humilde e altivo,
Não me posso, a mim mesmo, compreender.

Pois se, de mim, não sei causa e destino,
Que dos outros, do mundo, saberei?
Que definir, se a mim não me defino?

E sigo, ao léu da vida, a ignota lei,
Descrendo das verdades que imagino
E acreditando em tudo o que não sei.

*        *        *

Casais escritores e alguma 'fofoca'

Casais de escritores 
que marcaram a história
Maria Luiza Artese -  In:"Homo Literatus"

O que acontece quando duas mentes criativas se unem romanticamente? Drama, felicidade ou morte, mas, em todos os casos, muito, muito material literário.

***

1 – Mary Shelley e Percy Bysse Shelley

Mary Shelley Percy
A autora de Frankenstein e o célebre poeta de Ozymandias iniciaram seu romance enquanto Percy ainda estava casado com Harriet Westbrook.

Mary era filha de William Godwin, mentor e ídolo de Shelley, e de Mary Wollstonecraft, famosa feminista da época.

As ideias políticas de Percy encontraram no intelecto prodigioso de Mary uma parceira ideal, e o casal ficou junto até a morte dele, afogado enquanto velejava. 
Casaram-se dois anos depois de fugirem para a Suíça, após a morte da esposa de Shelley, tendo sido motivo de vergonha e escândalo para a família.
Foi Mary quem cuidou do legado de Percy, embora a sua poesia não tenha ficado tão famosa quanto as ideias políticas, que já pregavam, no século XIX, o discurso da não-violência e até mesmo o vegetarianismo.

O casal fazia parte de um círculo invejável de literatos da época, como Lord Byron e o próprio William Godwin. Acredita-se que Frankenstein tenha tido grande influência de Percy, e alguns estudiosos clamam que a autoria do livro é, em parte, sua; segundo a própria Mary, no entanto, sua influência foi essencial, mas não tão grande assim: “I certainly did not owe the suggestion of one incident, nor scarcely of one train of feeling, to my husband, and yet but for his incitement, it would never have taken the form in which it was presented to the world.”

2 - Sylvia Plath e Ted Hughes

hughesplath
É impossível estudar sobre Plath sem esbarrar com o nome de Hughes, e vice-versa. 
O casal, que se conheceu em Cambridge em 1956, casou-se apenas 4 meses depois e foi tema de diversos livros biográficos que tentam resgatar os pedaços de tão tumultuada história, apenas para entender melhor a indecifrável relação que se passou entre os dois poetas.

Sylvia já tinha um histórico de depressão e tentativas de suicídio quando se envolveu com Hughes, considerado, hoje, um dos maiores poetas da literatura inglesa. 
Em 1962, ela descobriu que o marido mantinha um caso com Assia Wevill, o que a levou à separação.
No ano seguinte, Plath cometeu o suicídio por envenenamento com monóxido de carbono, colocando a cabeça no forno com o gás ligado. Três anos mais tarde, Assia Wevill faria o mesmo.

Plath e Hughes tiveram dois filhos, e, após a morte de Sylvia, Ted ficou responsável pela sua obra, cuidando da publicação que a colocaria na história: o volume de poemas Ariel

Nos primeiros anos de casamento, no entanto, Sylvia e Hughes trocaram experiências significativas para as obras poéticas de cada um, como pode ser visto no depoimento dele a uma rara entrevista da BBC: “In this way, two people who are sympathetic to each other and who are right, who are compatible in this sort of spiritual way, in fact make up one person — they make up one source of power, which you both use and you can draw out material in incredible detail from the single shared mind. (…)It’s a complicated idea to get across, because you’ve first of all to believe in this sort of telepathic union exists between two sympathetic people.

3 – Virginia Woolf e Leonard Woolf

virginiawoolf_leonard
Virginia e Leonard se conheceram no círculo literário que viria a ficar conhecido como Bloomsbury Group, no início do século XX. 
Leonard, membro de uma famosa sociedade secreta em Cambridge, é pouco conhecido pelo trabalho literário, mas escreveu diversas obras depois de casar com Virginia. 
O casal tinha uma relação feliz, tendo Leonard apoiado Virginia durante suas sérias crises nervosas, quando ele mesmo sofria de depressão. 
Fundaram, juntos, a Hogarth Press, editora que publicaria os trabalhos do Bloomsbury Group e viria a se tornar parte da Random House. 

Leonard era judeu, fato frequentemente evocado para se referir ao antissemitismo que imperava na Europa na época, e do qual a própria Virginia mostrava indícios, sempre estereotipando seus personagens judeus de maneira negativa; a própria Woolf, mais tarde, chamaria este preconceito de esnobe, defendendo o marido.

 O casal Woolf, como tantos na Europa, já se posicionava contra o fascismo antes de saberem que estavam na lista negra do nazismo. 
Antes de se matar, em 1941, Virginia deixou uma carta para Leonard, em que agradecia pelo apoio incondicional: “I owe all the happiness of my life to you. You have been entirely patient with me and incredibly good. I want to say that—everybody knows it. If anybody could have saved me it would have been you. Everything has gone from me but the certainty of your goodness. I can’t go on spoiling your life any longer. I don’t think two people could have been happier than we have been.”

4 – F. Scott Fitzgerald e Zelda Fitzgerald

Fitzgerald
O famoso casal da geração perdida teve um casamento tumultuado. Antes de aceitar se casar com Scott, Zelda o rejeitou por não acreditar que a sua situação financeira fosse suficiente para sustentá-la. 
O autor de O Grande Gatsby começou, então, a cortejá-la incessantemente, mantendo correspondências enquanto ela abertamente namorava outros homens. 

Após a admissão do primeiro romance de Scott, This Side of Paradise, Zelda concordou em casar-se com ele. Mas o marido acabaria lhe tirando mais do que inspiração: além de moldar personagens baseados em Zelda e utilizar os problemas conjugais como material, Scott copiaria pedaços inteiros do diário da esposa em seus livros. Zelda faria piadas publicamente com o assunto, profundamente ressentida, e o casamento, que já enfrentava problemas com o estilo de vida dos dois, a esquizofrenia dela e o alcoolismo dele, além das dívidas, foi rapidamente à ruína.
Zelda, no entanto, inspirou diversas heroínas de Fitzgerald, entre as quais Daisy, ao afirmar que gostaria que a filha fosse “bela e tola”. 

Zelda escreveu apenas um livro, Save me the Waltz, romance auto-biográfico sobre o casamento com Scott. Como, contudo, ele mesmo já escrevia, então, uma novela sobre o casamento deles, a publicação deSave me the Waltz teve pouco sucesso, com Scott chamando a esposa de plagiadora.

5 – Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir

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Sartre e Beauvoir se conheceram enquanto estudavam para um dos mais difíceis testes superiores na França.
Sartre passou em primeiro lugar, e Beauvoir, então com apenas 21 anos, em segundo. 
Desde então, tornaram-se inseparáveis. 
Beauvoir nunca quis casar, mas os dois mantiveram uma relação aberta pelo resto da vida. 

Filósofos do existencialismo, Sartre venceu o Nobel em 1964, mas recusou o prêmio, por não gostar de receber honrarias oficiais. 

Conhecida principalmente pela sua contribuição na área do feminismo, Beauvoir teve muita influência do parceiro, com quem discutia todos os trabalhos e dividia amantes. 

Durante o período em que Beauvoir lecionou na França, diversas controvérsias envolvendo alunas se instalaram; Simone e Sartre mantinham um acordo no qual ela seduzia alunas e então as levava a ele. 
Mais tarde, os dois viriam a lamentar o ocorrido, que teria prejudicado algumas meninas psicologicamente. 
Com Beauvoir afastada das salas de aula, suas obras literárias encontraram caminho, tendo as experiências com Sartre e suas amantes servido de material. 

Os dois também exploravam o peso que as Guerras tiveram em suas vidas, a exemplo de The Roads to Freedom, em que Sartre analisa os efeitos da Segunda Guerra Mundial sobre sua visão de mundo.

6 – Ernest Hemingway e Martha Gellhorn

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Hemingway e Gellhorn trabalharam exaustivamente cobrindo guerras; foi durante uma viagem de família a Key West, onde Hemingway morava, no entanto, que se conheceram. 
Jornalistas literários da época, os dois cobriram a guerra civil da Espanha, mas, durante o casamento, terceiro de Hemingway, as viagens extensivas de Gellhorn atrapalharam a relação. 
Hemingway sentia falta da esposa, mas o foco de Martha sempre foi revolucionar o que ficou conhecido como cobertura de guerra. 
O casal se separou após 5 anos de casamento, e Martha detestava ser ligada a Hemingway, recusando-se a falar dele em entrevistas, porque “não tinha a intenção de ser a nota de rodapé na vida de alguém”

Apesar de escrever novelas, Gellhorn não ficou conhecida, como Hemimgway, na área literária: acabou contribuindo de verdade para o jornalismo, mesmo que se considerasse uma autora antes de uma jornalista.
*        *        *

domingo, 15 de junho de 2014

EDUARDO GALEANO - Outro músculo secreto

Outro músculo secreto 
Eduardo Galeano – In: “O livro dos abraços”

Nos últimos anos, a Avó estava se dando muito mal com o próprio corpo. 
Seu corpo, corpo de aranhinha cansada, negava-se a segui-la. — Ainda bem que a mente viaja sem passagem — dizia. 
Eu estava longe, no exílio.

Em Montevidéu, a Avó sentiu que tinha chegado a hora de morrer. 
Antes de morrer, quis visitar a minha casa com corpo e tudo. 
Chegou de avião, acompanhada pela minha tia Emma.

Viajou entre as nuvens, entre as ondas, convencida de que estava indo de barco; e quando o avião atravessou uma tempestade, achou que estava numa carruagem, aos pulos, sobre a estrada de pedras. 
Ficou em casa um mês. 
Comia mingaus de bebê e roubava caramelos. 
No meio da noite despertava e queria jogar xadrez ou brigava com meu avô, que tinha morrido há quarenta anos. 
Às vezes tentava alguma fuga até a praia, mas suas pernas se enroscavam antes que ela chegasse na escada. No final, disse: 
— Agora, já posso morrer.

Disse que não ia morrer na Espanha. 
Queria evitar que eu tivesse a trabalheira burocrática, o transporte do corpo, aquilo tudo: disse que sabia muito bem que eu odiava a burocracia. 
E regressou a Montevidéu. 
Visitou a família toda, casa por casa, parente por parente, para que todos vissem que tinha regressado muito bem e que a viagem não tinha culpa. 

E então, uma semana depois de ter chegado, deitou-se e morreu.
Os filhos jogaram as suas cinzas debaixo da árvore que ela tinha escolhido. 

Às vezes, a Avó vem me ver nos sonhos. Eu caminho na beira de um rio e ela é um peixe que me acompanha deslizando suave, suave, pelas águas.


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sábado, 14 de junho de 2014

A MALÉVOLA ... - Cláudia Penteado

A Malévola em cada um de nós
Cláudia Penteado - Revista 'Época'

Arte e vida se misturam.
 Fantasia e realidade se acrescentam. (Affonso Romano de Santana)

A ovelha negra vira protagonista e mostra sua dor em Malévola, nova produção infantil da Disney, que conta a história da fada má que enfeitiça Aurora, a eterna Bela Adormecida criada em 1697 pelo francês Charles Perrault, depois adaptada - e suavizada - pelos irmãos Grimm. 

Para escrever sua versão, Perrault teria se inspirado no conto “Sol, Lua e Tália”, de Giambattista Basile  - uma história de estupro, adultério, assassinato e toda sorte de barbaridades publicada no século XVII - bem distante da que conhecemos e que a Disney transformou em filme há 55 anos.

Malévola subverte a versão açucarada que nos contaram ao revelar a biografia da grande vilã que dá nome ao filme, freudianamente reconstruída em torno do trauma da rejeição. 
O maior mérito da Disney parece estar no lento - porém progressivo - despertar de um longo sono maniqueísta saturado de vilões incondicionalmente desalmados e príncipes redentores.

Está ali, em Malévola, a contradição presente em cada um de nós, pessoas ambíguas e passíveis de sentimentos desencontrados, dúvida, arrependimento e mudança. 
O final feliz está lá, é verdade - afinal é um filme dirigido ao público infantil -  e o “bem” acaba vencendo, mas ele vem de um lugar inesperado.

Há um “beijo de amor verdadeiro” que desperta a princesa, e no entanto ele vem da vilã, a mesma que lhe causou todo o mal. 
Para a minha filha de 11 anos, a repentina inutilidade do príncipe foi o momento mais marcante.

No filme de Robert Stromberg, a Malévola de imponentes chifres negros e todo o peso de seu nome - maléfica, malvada, perversa, maldosa -  se arrepende. 
O fato de ser também capaz de amar e ter sentimentos maternais é algo que não costuma fazer parte dos contos de fadas e sim do mundo real, banhado em contradições e muitos, muitos tons de cinza.
Aqui os líderes são fracos, mães cometem erros e relações afetivas não se constroem num piscar de olhos,  exatamente como em Malévola, que nos apresenta um rei atordoado e mais preocupado consigo mesmo do que com a filha, fadas sem paciência ou competência para cuidar de uma criança, e um príncipe que não se apaixona pela princesa tão facilmente.

Realidade mistura-se ainda mais nesse conto de fadas às avessas quando enxergamos a atriz por trás da personagem principal, vivida pela outrora rebelde (mas ainda polêmica) Angelina Jolie. 
De “garota problema” na juventude, ela se transformou em defensora de causas humanitárias e exemplo de coragem e fibra, capaz de adotar crianças no Camboja, extirpar os próprios seios diante da mídia e reconhecer que tem, sim, muito de Malévola dentro de si.
“Nasci de coração aberto, mas como acontece com todo mundo, passei por coisas diferentes na vida que me fizeram confiar menos, ficar mais sozinha, mais irritada e mais cuidadosa.”, disse Angelina em uma entrevista sobre o filme.

Nietzsche afirmou que a arte está aí para não morrermos da verdade. 
A fantasia sempre pareceu melhor do que a realidade e, de fato, sonhar sempre foi mais interessante do que pisar no chão. 
Mas de alguns anos para cá, a ficção vista nas telas televisivas nos apresenta cada vez mais heróis e vilões que transitam num oceano de ambiguidade e, mais do que isso, de humanidade. 
As séries de TV modernas estão repletas dos chamados personagens redondos (definição do escritor E. M. Forster) que, diferente dos planos – coerentes e facilmente rotuláveis - são multifacetados, profundos, sofisticados.
Como somos todos, afinal de contas.
Os espectadores passaram a ansiar pela sedução de personagens bem diferentes das que frequentavam suas salas de estar em outros tempos: criaturas infelizes, moralmente incorretas, complicadas, profundamente humanas. 
É  o que diz o jornalista Brett Martin em seu livro “Homens difíceis”, que conta a história recente da ficção na TV americana.
“Elas se envolvem em um jogo sedutor com o espectador, desafiando-o emocionalmente a investir, eventualmente torcer e até amar uma gama de personalidades criminosas cujos delitos acabariam incluindo tudo – de adultério a poligamia, vampirismo e assassinatos em série”, disse Brett.

Ainda que embalado como filme infantil, Malévola provoca os sentidos e os pensamentos, e consegue retratar as complexidades e profundezas da alma humana. 
Até o corvo de Malévola tem a oportunidade, no filme, de se humanizar e se confrontar com escolhas e velhos dogmas. 
Há uma busca por pessoas de verdade e, mais do que isso, por enxergar nos supostos vilões não o que os torna bons ou maus, mas o que os faz humanos. 
O grau de perversidade de cada um varia, afinal de contas, com as circunstâncias – e os objetivos a serem conquistados, só para lembrar do bom e velho Maquiavel.

Imagino que "desconstruir" os contos de fadas, mostrando novas abordagens e insinuando-se e subvertendo sua suposta moralidade, talvez faça bem a toda uma geração que amadurece cada vez mais rápido e encontra pela frente um mundo em constante mudança. 
Mais do que desconstruir, mas reler e ressignificar é um sintoma do nosso tempo, e o reconhecimento de que nada ao nosso redor é estanque, ou eterno.

Em breve, por exemplo, minha filha entrará na adolescência e terá de lidar, entre muitas outras coisas, com um novo tipo de fugacidade nos relacionamentos afetivos, em que parceiros são escolhidos via catálogo digital e, como li outro dia em algum lugar, as pessoas "se consomem", não se amam mais. 
Existe algo mais distante dos velhos contos de fadas da Disney?

Há um momento no filme especialmente interessante: o encontro entre Malévola e a pequena Aurora, quando esta não parece ter mais do que uns 2 anos de idade. 
O olhar infantil generoso para a “monstruosa criatura”  representa brilhantemente o que para mim é a grande mensagem de Malévola: de que os pré-julgamentos e as suposições a partir de aparências, por exemplo, nos traem e nos impedem de viver grandes encontros vida afora. 

 Bom domingo!

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